ITALO NOGUEIRA – RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

O advogado Rodrigo Roca, 50, novo defensor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), atribui ao Ministério Público do Rio de Janeiro o atraso na conclusão das investigações sobre a suposta “rachadinha” no antigo gabinete de seu cliente na Assembleia Legislativa fluminense.

Para Roca, a apuração ainda não se transformou “em algo concreto” porque a Promotoria se recusa a aceitar o foro especial definido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

“É ele [MP-RJ] quem está impugnando uma decisão que já fixou esse foro e poderia estar agora se ocupando da investigação. […] O fato é que, se desistisse dessa reclamação, talvez ela [a investigação] já tivesse se transformado em algo concreto”, disse.

A defesa do senador, composta também pelas advogadas Luciana Pires, Juliana Bierrenbach e Renata Azevedo, ainda tenta anular as decisões do juiz Flávio Itabaiana, comprometendo as provas da investigação sobre peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa decorrentes da “rachadinha”.

“Não é direito de todos ser julgado pelo juiz competente? Também é do senador”, afirmou.

Roca assumiu o caso após a descoberta de que Frederick Wassef, antigo advogado de Flávio, abrigou por cerca de um ano Fabrício Queiroz, pivô do esquema das “rachadinhas” no gabinete da Assembleia.

O novo defensor não quis comentar o caso, bem como os fatos suspeitos que envolvem o filho do presidente Jair Bolsonaro, alegando sigilo da investigação. Declarou apenas ter “pleno convencimento da inocência do senador”.


O senador Flávio Bolsonaro vem tentando bloquear as investigações desde janeiro de 2019. É sinal de preocupação?

Rodrigo Roca – Em absoluto. Não foram tentativas de bloqueio. É para que se aplique o direito. Tudo o que se busca é fixação do foro competente para o julgamento. Não é direito de todos ser julgado pelo juiz competente? Também é do senador.

Se for pensar em bloqueio, é preciso atribuir isso ao Ministério Público. É ele quem está impugnando uma decisão que já fixou esse foro e poderia estar agora se ocupando da investigação. O que não se pode é ter mais de dez volumes de investigação e o senador sequer ser ouvido.

Quando ele foi convidado a falar, não apareceu e recorreu ao STF pedindo foro por ser senador.

RR – Não é verdade. Naquela ocasião, ele estava como testemunha e prestou esclarecimentos. Mas depois nunca mais foi chamado [como investigado], o que é uma distância preocupante.

Pedir foro não é uma contradição com o discurso da família Bolsonaro?

RR – Não, porque não se fala em privilégio, mas sim na aplicação correta da lei. Fizeram recentemente com esse deputado estadual [Márcio Pacheco], a quem foi deferido o foro especial. O próprio MP-RJ ofereceu uma denúncia direto ao órgão especial numa causa idêntica. Ele também responde a fatos por mandatos anteriores [neste caso, a denúncia aponta “rachadinha” até março de 2019, atual mandato]. O senador busca tratamento igualitário.

O instituto do foro especial merece as críticas e discussões que têm sido colocadas. Mas, se está em vigor, se vai aplicar para uma pessoa e não para outra?

O Supremo já tomou decisões em que considerou que o foro não se estendia após a troca de mandato.

RR – Os precedentes da Suprema Corte [STF] de modo algum se parecem com o julgado da 3ª Câmara Criminal. Eles nunca enfrentaram a sucessão de mandatos no mesmo Poder. É uma excelente oportunidade para o Supremo pacificar esse entendimento.

O caso do Flávio tem sido usado para levantar questões até então não debatidas. Foi o caso do Coaf, por exemplo, que paralisou investigações no país por quatro meses. O fato de ser filho do presidente ajuda a levantar discussões inéditas?

RR – Não foi por causa do Flávio que se interromperram as investigações no país.

O ministro Dias Toffoli determinou a paralisação a partir de um pedido dele.

RR – Foi um tema proposto. O fato é que, se o Ministério Público desistisse dessa reclamação, talvez ela [a investigação] já tivesse tomado um rosto, transformado em algo concreto. Não é o senador quem está atrasando a investigação. Ele quis ser julgado no órgão especial, por ser o foro competente, e o MP-RJ está lançando mão dos expedientes que entende inteligentes.

O presidente tem tido conflitos com o Supremo, ao participar de atos contra ministros. Acredita que esse componente político pode influenciar?

RR – Não vejo um conflito do presidente com o Supremo. É uma leitura equivocada. Vejo atos processuais. Fora disso não me interessa. Os ministros da Suprema Corte têm experiência para se manterem distantes de qualquer rusga que se possa criar para interferir num julgamento.

Uma das primeiras medidas após sua entrada na causa foi pedir a suspeição do juiz Flávio Itabaiana no inquérito eleitoral contra o senador. Por qual motivo?

RR – Eu tinha o dever ético de suscitar essa questão para não correr o risco de amanhã ou depois alguém aparecer com uma fotografia [nossa] e eu ter que me explicar. Tinha obrigação de levantar essa questão. Fui advogado dele, estive no casamento da filha dele num petit comité, já frequentei a casa dele com a minha primeira e segunda mulher. Ele já frequentou a minha. Saímos para confraternizar em família como fazem todos bons amigos. Se, a despeito disso tudo, ele se julga imparcial, sigamos com a causa.

Ele disse que não fala com o sr. desde 2014 e que um investigado não pode contratar um advogado com o objetivo de arguir a sua suspeição.

RR – Não é verdade que não nos vemos desde 2014. E [minha contratação] não pode ser lida assim. Seria se fosse só esse argumento, mas não é. Ele já tomou decisões sobre esses fatos [no processo criminal], então não pode conduzir o caso no âmbito eleitoral.

A retirada não visa fugir de um juiz rigoroso?

RR – O juiz Flávio Itabaiana é um profissional que admiro. A questão não é essa. As atitudes que ele tomou, ao nosso ver equivocadas, açodadas, e algumas, trôpegas, geram consequências processuais para as quais a lei prevê remédios. Ainda que ele não tivesse tomado essas medidas, tivesse sido passivo diante da investigação, sofreria a arguição de suspeição. É meu dever.

O sr. entrou na causa após uma crise causada pelo fato de o antigo defensor, Frederick Wassef, ter abrigado Fabrício Queiroz. Como o sr. viu essa situação?

RR – Encontro aqui uma barreira ética. Primeiro porque isso ainda está pendente de esclarecimento. E também seria descortês da minha parte com um colega.

O senador sabia?

RR – Neste caso tudo está sob sigilo.

Estamos há quase dois anos num debate público sobre a suposta ‘rachadinha’ do senador. Há dificuldade de enfrentar o mérito?

RR – Ao contrário. Ele pediu para ser ouvido [no Ministério Público] justamente para esclarecer. O que está sendo público são as ilações de comentaristas, da imprensa, de profissionais de ocasião. O senador está discutindo no foro próprio.

Mas seu cliente alega inocência?

RR – A questão não é alegar inocência. Tenho pleno convencimento da inocência do senador. Nossa missão como defesa é somente mostrar isso ao julgador competente, que não esteja viciado. Tenho certeza que vamos encontrar esses julgadores na Suprema Corte, nos tribunais colegiados, nos órgãos colegiados do Tribunal do Rio de Janeiro.

RAIO-X

Rodrigo Roca, 50, assumiu a defesa de Flávio Bolsonaro neste mês, após a revelação de que Frederick Wassef, o antigo defensor, abrigou Fabrício Queiroz por cerca de um ano. Mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes, atuou na defesa do ex-governador Sérgio Cabral (RJ). É advogado da Maria Joselita Brilhante Ustra, viúva do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), torturador durante o regime militar homenageado pelo então deputado federal Jair Bolsonaro no voto pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2016. É mestrando em Direito Canônico pela Instituto Superior de Direito Canônico.

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