EVERTON LOPES BATISTA – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

De acordo com pesquisadores da Universidade de Hong Kong, um homem teve duas infecções causadas por linhagens diferentes do novo coronavírus em um intervalo de quatro meses. Essa é a primeira vez que cientistas comprovam um caso de reinfecção pelo coronavírus Sars-CoV-2 ao demonstrar que os vírus que causaram a primeira e a segunda infecção são diferentes.

Os resultados foram divulgados nesta segunda-feira (24) em uma declaração enviada à imprensa pela Universidade de Hong Kong. O artigo com o relato detalhado do caso foi aceito para publicação na revista científica Clinical Infectious Diseases. Ainda assim, as informações disponíveis até agora precisam ser interpretadas com cautela, já que se trata do relato de apenas um caso.

Um homem de 33 anos de idade, morador de Hong Kong e com bom histórico de saúde teve um novo episódio de Covid-19 após 142 dias da primeira infecção (cerca de quatro meses e meio), diz o artigo, disponibilizado pelos pesquisadores em uma versão prévia.

A primeira infecção, em março, foi sintomática. O paciente apresentou febre, tosse e dor de cabeça por três dias. Ele foi internado no dia 29 de março e teve alta no dia 14 de abril, depois que os sintomas haviam desaparecidos e dois testes do tipo PCR, que detecta o material genético do vírus no corpo, tiveram resultado negativo.

A segunda infecção foi detectada no aeroporto de Hong Kong em 15 de agosto, quando o homem retornava da Espanha, com passagem pelo Reino Unido. O paciente foi internado, mas permaneceu assintomático durante todo o período.

Com amostras dos vírus das duas infecções em mãos, os cientistas fizeram o sequenciamento genético do patógeno e descobriram diferenças nítidas entre os vírus responsáveis pela primeira e pela segunda infecção.

Os cientistas encontraram diferenças em 23 nucleotídeos (elementos que compõem o material genético dos vírus), além de outros fatores que indicam que as infecções foram geradas por cepas diferentes do vírus.

O artigo destaca que o genoma dos vírus da primeira infecção eram semelhantes a amostras colhidas entre a população nos meses de março e abril deste ano. Já os agentes responsáveis pela segunda ocorrência da doença eram parecidos com as amostras coletadas entre julho e agosto.

“Análises epidemiológicas, clínicas sorológicas e genômicas confirmaram que o paciente teve uma reinfecção em vez de uma eliminação persistente do vírus que causou a primeira infecção”, escrevem os pesquisadores no artigo.

“Nossos resultados sugerem que o Sars-CoV-2 pode continuar a circular entre os humanos apesar de uma imunidade coletiva baseada em infecções. Estudos mais aprofundados de pacientes com reinfecção vão colaborar para um melhor desenho de uma vacina”, concluem os cientistas.

Para Natália Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, as evidências indicam que se trata de um caso de reinfecção que precisa ser mais bem estudado, mas não deve gerar pânico.

Como a segunda infecção não manifestou sintomas, os dados podem sugerir que a primeira infecção criou proteção no paciente para que ele não desenvolvesse a doença outra vez, afirma a cientista.

“É compatível com o tipo de imunidade gerada pelas células T, importantes para combater o novo coronavírus. Elas não impedem uma nova infecção, mas evitam que a pessoa desenvolva a doença”, diz Pasternak.

A pesquisadora pede cautela para interpretação dos dados. “É um caso observado dentre milhões de infectados pelo vírus. Precisamos testar mais pessoas sem sintomas para saber se esse tipo de ocorrência é recorrente. Hoje, não estamos vendo esses casos, e isso pode ser por falta de testes em massa ou por que são casos muito raros”, diz.

Maria Van Kerkhove, líder técnica para Covid-19 da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse em entrevista coletiva nesta segunda (24) que esse é um caso provável de reinfecção. “É importante documentar e fazer o sequenciamento do genoma dos vírus, mas ainda não podemos tirar conclusões precipitadas”, afirmou.

“Sabemos que as pessoas produzem resposta imunológica [contra o Sars-Cov-2], mas não sabemos ainda quanto tempo ela dura e nem quão forte ela é. Precisamos de estudos para entender como essa resposta funciona”, concluiu a especialista.

Casos de suspeita de reinfecção pelo Sars-CoV-2 foram relatados, mas nenhum deles teve uma comprovação tão bem documentada como o caso de Hong Kong. Um dos motivos que gera dúvidas sobre os casos suspeitos de reinfecção é que o paciente pode continuar eliminando o vírus do organismo meses após o fim da fase aguda da infecção, e, assim, os testes continuam detectando a presença do patógeno.

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