Samuel Fernandes – Folhapress
Casos de poliomielite em países sem registro há anos acenderam recentemente o alerta para a enfermidade que causa a paralisia infantil. No Brasil, a doença causada pelo poliovírus continua caracterizada como eliminada, sem ocorrências desde 1990, mas a Opas (Organização Panamericana de Saúde) já afirmou que o país é de alto risco para a volta da doença.
“O Brasil quase foi classificado como de altíssimo risco [para o retorno da pólio]. De todos os outros países classificados como de alto risco, ele é o que está mais próximo da categoria de maior risco”, afirma Luíza Arlant, presidente da Câmara Técnica de Certificação de Erradicação da Poliomielite no Brasil junto à Opas/OMS (Organização Mundial da Saúde).
Segundo ela, existem vários fatores na avaliação feita pela organização, como vigilância sanitária, condições de enfrentamento para um possível novo caso e, principalmente, a cobertura vacinal -segundo o Ministério da Saúde, a vacinação contra a pólio tem resultados abaixo da meta desde 2016.
Em 2021, pior ano recente, só 67% foram atingidos na cobertura vacinal contra a pólio.
A pasta afirma que “monitora atentamente as coberturas vacinais e tem trabalhado para intensificar as estratégias necessárias para reverter o cenário de baixas coberturas”. O ministério diz ainda que, nos últimos três anos, tem feito campanhas de multivacinação para atualizar a carteira da população.
Segundo informações da Opas, a poliomielite causa sintomas em aproximadamente de 5% a 10% das pessoas infectadas. Em alguns casos, ela resulta em paralisia dos braços e das pernas e pode afetar também o sistema respiratório, levando à morte.
Os diagnósticos mais recentes e que preocupam a comunidade médica foram no Maláui e em Israel. No primeiro país, foi registrado um caso de vírus selvagem, aquele que circula normalmente na natureza. O problema é que até então a poliomielite era considerada endêmica por esse tipo de patógeno em somente duas nações: Afeganistão e Paquistão.
Já em Israel, uma criança foi infectada pelo vírus vacinal, cepa que advém da vacina Sabin –a da “gotinha”– contra a poliomielite.
“A vacina pólio oral [Sabin] é composta de um vírus atenuado e por isso pode transmitir o vírus de pessoa para pessoa: o indivíduo toma a vacina, ela vai para o sistema digestivo e esse vírus da vacina é eliminado pelas fezes para o ambiente”, explica Isabella Ballalai, pediatra e vice-presidente da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações).
No entanto, casos de infecção por vírus vacinal não indicam que a vacina é a causadora da doença –na realidade, ela foi essencial para eliminar a pólio nas últimas décadas em vários países, inclusive no Brasil, destaca Juarez Cunha, pediatra e presidente da Sbim.
“Pela forma como nós tínhamos a vacina Sabin, que é muito fácil de ser produzida, aplicada e com uma efetividade muito boa, ela foi amplamente utilizada em todos os países do mundo”, completa o pediatra.
Além disso, dados da Sbim apontam que são baixíssimos os casos de poliomielite associada à vacina –em média, somente um caso para cada 3,2 milhões de doses aplicadas.
O problema da poliomielite é quando a cobertura vacinal está baixa, fazendo com que o vírus –independentemente de ser vacinal ou selvagem– se dissemine na população. Esse foi justamente o caso de Israel, já que a criança em questão não havia sido vacinada.
Além da cobertura vacinal que precisa ser abrangente, outra iniciativa necessária é a prioridade de aplicação da vacina inativada –conhecida como Salk. Ela, diferentemente da Sabin, é injetável e não ocasiona o chamado vírus vacinal.
“Se nossa cobertura for muito baixa, tem o risco de acontecer o que ocorreu em Israel: um vírus vacinal levar a doença. Isso não decorre se a criança for vacinada previamente com o imunizante inativado. No Brasil, por exemplo, qualquer criança que esteja em atraso vai receber sempre a inativada, para a proteção contra o potencial risco de um vírus derivado vacinal”, explica Cunha.
Por isso, desde 2016, a OMS recomenda que pelo menos uma das doses do esquema vacinal seja com a do modelo inativado.
No Brasil, são recomendadas três doses do tipo Salk e as outras duas aplicações de reforço da “gotinha”, a Sabin. Esse esquema foi adotado em 2016 no PNI (Plano Nacional de Imunizações). Antes disso, o país tinha incorporado duas doses da Salk, em 2012.
Para o futuro, a expectativa é que a vacina Sabin deixe de ser usada, a fim de haver a erradicação total da doença.
“A ideia da OMS é migrar completamente para a vacina inativada, mas isso ainda não é possível até por não ter capacidade produtora para fazer mundialmente vacinas somente inativadas”, diz Cunha.
Arlant explica também que é importante, em situações de maior perigo para surtos de pólio, optar pela vacina oral por ela ter “o grande benefício da estimulação da mucosa intestinal, o que aumenta o nível de proteção”.
Um desses casos em que há perigo da volta da doença é o que se passa agora: uma baixa cobertura vacinal do Brasil em meio ao ressurgimento de casos em alguns locais do mundo.
“Num momento de surto, é recomendado usar uma vacina oral com vírus atenuado, mas em tempos normais, os países têm que optar pela vacina inativada”, resume Arlant.
Outro ponto a ser considerado é a vigilância sanitária, como de casos da paralisia flácida aguda, visto que a poliomielite causa essa condição. “Se eu tenho uma pessoa com essa paralisia, eu não posso deixar de investigar e notificar se foi causada por pólio ou não”, conta Ballalai.
Esse ponto também se encontra defasado no Brasil. De acordo com uma nota técnica do Ministério da Saúde publicada em outubro de 2021, existe “o não cumprimento das metas dos indicadores de qualidade da vigilância epidemiológica [de paralisia flácida aguda] em menores de 15 anos”.
Em nova nota, a pasta explicou que “entre 2012 e 2021, o Brasil alcançou três dos quatro indicadores”. Aquele que está aquém do esperado é a coleta oportuna de fezes, que precisa ser feita em até 14 dias.
Além disso, Ballallai afirma que é importante a melhora da comunicação para conscientizar a população.
Em anos atrás, com o aumento da vacinação, cenas de pessoas com sequelas da pólio ficaram cada vez mais raras -e o senso de risco da população diminuiu. Por isso, é necessária uma mensagem de alerta do perigo que pode ser a volta da poliomielite, diz.
ENTENDA A PÓLIO
Quais os principais sintomas e sequelas da pólio?
A sequela mais reconhecida é a paralisia de membros, mas a doença também pode causar dores nas articulações, osteoporose, atrofia muscular, dificuldade de falar, entre outras. De sintomas, são comuns dores no corpo, febre, diarreia, vômitos, rigidez na nuca e espasmos.
Quem pode se vacinar contra a poliomielite pelo SUS?
O Ministério da Saúde recomenda a vacinação em crianças que tenham de dois meses a quatro anos de idade. Há, porém, casos em que é recomendada a vacinação para maiores de cinco anos, como quando há uma viagem para um país que vive surto da doença e o esquema vacinal ainda não está completo.
Quantas doses compõem o esquema vacinal contra a pólio?
No total, são cinco aplicações. A primeira dose deve ser aos dois meses de idade. A segunda deve ser aplicada aos quatro meses e a terceira, aos seis. Além disso, existem dois reforços: o primeiro aos 15 meses e o segundo com quatro anos de idade. As três primeiras doses são feitas com a vacina injetável (Salk) e as duas últimas com a versão em gotinhas (Sabin).
Além da vacinação, existem outras formas de evitar a doença?
Para evitar a infecção pelo poliovírus, também é importante ter cuidados com higiene básica e ter um sistema eficiente de saneamento básico.
Quando será a campanha de vacinação contra a pólio em 2022?
Segundo o Ministério da Saúde, essa campanha deve acontecer no segundo semestre do ano. Nesse mesmo momento, também vão ocorrer as campanhas de multivacinação para atualizar a caderneta de vacinação de crianças e adolescentes, segundo informações da pasta.