Folhapress
O Brasil caminha para a eleição presidencial de outubro com desemprego menor e mais vagas de trabalho do que em 2018, quando ocorreu a última disputa nas urnas.
A inflação acumulada, porém, dobrou desde então, e a renda real do trabalho encolheu em meio aos impactos da pandemia. Essa combinação, dizem analistas, joga contra a percepção de aquecimento da atividade econômica para uma parcela considerável da população.
Comparar a economia brasileira às vésperas do pleito de 2018 com o momento atual é como observar uma montanha-russa de expectativas, avalia Cosmo Donato, economista-sênior da LCA Consultores. Há quatro anos, diz, as perspectivas eram de previsibilidade fiscal, após a aprovação do teto de gastos, o andamento da reforma da Previdência e de uma possível discussão da reforma tributária.
“Estávamos caminhando para a normalidade, colhendo frutos das reformas que foram feitas e com expectativa de fazermos mais, mas o ambiente mudou completamente. Tivemos uma pandemia nesse caminho e, em termos de fundamentos, estamos em um cenário mais desafiador. Só que a lupa do curto prazo traz boas notícias, sobretudo pelo fim das restrições sanitárias e o impulso fiscal e social”, resume.
No trimestre até julho deste ano, o mais recente com dados disponíveis, a taxa de desemprego recuou para 9,1% no Brasil, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O indicador estava em 12,4% em igual período de 2018 (3,3 pontos percentuais acima).
O número de desempregados -pessoas sem trabalho e à procura de vagas- diminuiu em cerca de 3,2 milhões nesse intervalo. Passou de 13,1 milhões no trimestre até julho de 2018 para 9,9 milhões em igual período de 2022.
O número de ocupados com algum tipo de trabalho, por sua vez, teve acréscimo de 6,8 milhões, passando de 91,9 milhões para 98,7 milhões. O nível mais recente é o maior da série histórica iniciada em 2012, de acordo com o IBGE.
A inflação, por outro lado, passou a incomodar mais o bolso dos brasileiros. Nos 12 meses até agosto de 2022, intervalo mais recente com dados disponíveis, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulou alta de 8,73%. Em igual período de 2018, o avanço era de 4,19%. Ou seja, menos da metade.
De acordo com economistas, a inflação ganhou força com os efeitos da pandemia, que impactou a oferta e os preços de insumos, e da Guerra da Ucrânia, que elevou as cotações de commodities.
No Brasil, esses fatores foram potencializados pela alta do dólar, que subiu em meio a turbulências protagonizadas pelo governo Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição.
Em parte, a inflação foi responsável por encurtar a renda média do trabalho no país, aponta o economista Vitor Hugo Miro, professor do Departamento de Economia Agrícola e coordenador do Laboratório de Estudos da Pobreza na UFC (Universidade Federal do Ceará).
No trimestre até julho de 2022, o rendimento habitual, em termos reais, foi de R$ 2.693. A marca é 3,8% menor do que a de igual trimestre de 2018 (R$ 2.798). Na prática, é como se R$ 105 deixassem de ir, em média, para o bolso do trabalhador ocupado.
Os R$ 2.693 representam o segundo menor valor para o trimestre até julho na série histórica, conforme o IBGE. Só superam a renda registrada no mesmo intervalo de 2012 (R$ 2.685).
Os cálculos envolvem apenas os recursos obtidos com o trabalho. Transferências de programas sociais, por exemplo, não entram nas contas.
“Tem o componente dos salários, de postos de trabalho que estão sendo gerados com salários mais baixos, e a questão inflacionária, que vem corroendo o poder de compra. Esse cenário explica a renda mais baixa”, diz Miro.
Em relação ao trimestre imediatamente anterior (fevereiro a abril), o rendimento médio até subiu 2,9% em julho deste ano. Foi a primeira alta significativa em dois anos, segundo o IBGE.
“Um fator positivo deste momento pré-eleitoral é que o rendimento médio do trabalho está crescendo. Ainda não chegamos aos níveis de quatro anos atrás, mas não deixa de ser uma surpresa”, diz Hélio Zylberstajn, professor sênior da FEA/USP e coordenador do Projeto Salariômetro, da Fipe.
Ainda assim, ele reconhece que o eleitor médio não sente essa melhora, sobretudo pela inflação maior em 2022.
“A alta de preços corrói o poder de compra do salário. Se olharmos para as negociações coletivas, os trabalhadores não estão conseguindo ganhar da inflação -alguns só conseguem empatar com ela. Quando se vai ao supermercado, tudo ainda parece caro demais. Mais emprego não significa mais satisfação.”
ECONOMIA ‘POLARIZADA’, DIZ ANALISTA
Na visão da Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), o cenário às vésperas da nova eleição é de uma economia “polarizada”, a exemplo do que ocorre na política.
Segundo a economista, o país conseguiu avanços nos últimos anos em áreas como concessões e marcos regulatórios. Contudo, indicadores como renda fragilizada e endividamento das famílias formam o “lado triste” da história, diz Matos.
Em agosto, o endividamento bateu recorde ao alcançar 79% dos lares do país, conforme a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). A série histórica teve início em 2010.
“Avançamos em alguns pontos, mas ainda falta bastante para uma economia mais sustentável. Várias reformas não foram continuadas, tem a questão da desigualdade social. Com a pandemia, os mais pobres sofreram mais, não só em termos de renda, mas também em educação”, avalia Matos.
Para ela, um dos desafios do país em 2023 será conciliar medidas de auxílio a camadas mais vulneráveis e uma agenda de reformas e responsabilidade fiscal.
“A gente sabe que este é um momento que demanda atuação do Estado, que precisa ao mesmo tempo ser reformista. A questão é combinar tudo”, afirma.
A economista Margarida Gutierrez, professora do Coppead/UFRJ (Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro), também chama atenção para esse ponto.
“O principal desafio de curtíssimo prazo é equacionar programas sociais com a sustentabilidade da dívida/PIB”, aponta. “Não dá para colocar tudo no Orçamento e dizer ‘vamos em frente'”, acrescenta.
Na visão de Gutierrez, a economia mostrou reação consistente após o choque da Covid-19. Ela define o atual momento da atividade como “muito bom”, em um nível superior ao de outros países.
No segundo trimestre deste ano, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 1,2% no Brasil. A alta, segundo analistas, veio no embalo da reabertura de empresas e da liberação de recursos autorizada pelo governo federal.
DISCURSOS NA CAMPANHA
Pressionado pela perda do poder de compra da população, Bolsonaro aposta no segundo semestre no corte de tributos sobre itens como combustíveis e energia elétrica, além da ampliação do Auxílio Brasil às vésperas das eleições.
O presidente vem destacando essas medidas em seus discursos. Adversários de Bolsonaro, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à frente nas pesquisas de intenção de voto, buscam chamar atenção para questões como o aumento da fome e da pobreza.
O 9º Boletim Desigualdade nas Metrópoles, por exemplo, indicou em agosto que o número de pessoas em situação de pobreza saltou para 19,8 milhões nas metrópoles brasileiras em 2021. A população que passa fome no país chegou a 33 milhões de pessoas, de acordo com outro estudo publicado em junho.
O economista Jackson Bittencourt, coordenador do curso de ciências econômicas da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), avalia que a inflação segue como uma das pedras no sapato dos brasileiros.
A recente trégua do IPCA, afirma, veio concentrada em combustíveis devido aos cortes tributários. Alimentos continuam pesando no bolso da população, sobretudo a mais pobre, diz. Ele lembra que, com a carestia, o país vivenciou cenas de pessoas em busca de restos para se alimentar.
“O que o governo fez foi uma cirurgia no IPCA. Atacou itens como combustíveis e energia elétrica”, compara. “Para a virada de ano, a pauta é como seguir recuperando empregos e reduzir a inflação.”