Como o comportamento e a rotina dos motoristas mudaram na pandemia

Quem foi para a rua no começo da pandemia da Covid-19 encontrou trabalhadores que nunca foram tão essenciais. Eles são mais de 400 mil em todo o Brasil e colocam o pé na estrada com a responsabilidade de transportar mais de 20 milhões de brasileiros aos seus destinos em todo o país. 

Neste domingo (25), quando é comemorado o Dia do Motorista, a ‘Reportagem da Semana’ vai mostrar a rotina de um segmento desses profissionais: os motoristas de transporte coletivo. São profissionais que ficam no banco da frente e arriscam suas vidas por quem, assim como eles, nunca pôde ficar em casa durante a pior fase da pandemia e por quem, hoje, aos poucos, já volta à normalidade.

Pesquisa da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) apontou que parte dos funcionários de empresas de transporte urbano nunca viveu o isolamento recomendado como uma das principais medidas de enfrentamento da pandemia, e que a classe só perde no quesito risco de atuação para os profissionais da saúde.

O estudo verificou, ainda, o risco de mais de 2.500 ocupações diferentes no país. Os motoristas de ônibus urbanos e rodoviários no país, por exemplo, têm risco de se contaminar acima de 70%. O de operadores de trem é um pouco menor, de cerca de 66%.

A pesquisa mediu três variáveis: frequência com que a ocupação expõe a pessoa a doenças, até que ponto exige execução de tarefas com extrema proximidade de outras pessoas e o quanto as ocupações exigem o contato físico com outras pessoas.

Mesmo com o perigo iminente após a vacinação, esses profissionais, que só tomaram a primeira dose do imunizante, carregam, diariamente, muito mais que números. São vidas. Para exercerem o ofício, acabam pagando um preço alto que pode custar suas vidas: podem ser contaminados a qualquer momento. Para piorar a situação, o setor foi atingido pelo corte de linhas e redução de horários, resultando em superlotação dentro do transporte público.

A rio-clarense Lucimara Araújo Silva, de 54 anos, trabalha como motorista há 10 na Rápidosp – empresa responsável pelo transporte coletivo na cidade. Atualmente, conduz passageiros de todas as linhas, principalmente das fábricas, que também não puderam ficar em casa, isolados. Ela contou ao JC de onde surgiu o amor pela profissão.

“Ser motorista foi um sonho de criança, me inspirei em meus familiares. Fui subindo aos poucos de cargo na empresa, onde estou há mais de 20 anos. Antes, era lavadora [de ônibus]. Quando vinha limpar a parte do painel até alisava o volante, imaginando que um dia ia estar do lado de cá. Depois fui cobradora e, só depois, passei a ser motorista”, comentou.

Lucimara também teve que mudar a rotina por conta da pandemia. Antes, o café da manhã era no terminal rodoviário com os colegas de profissão. Agora, não mais. O caminho que fazia até a parada de ônibus era sempre regado de boas conversas. Agora,  ficou solitário.

Vaidosa, o batom que sempre gostava de passar continua nos lábios, mas não aparece com a máscara – o que não pode ser dito em relação às tatuagens – sempre aparentes – uma paixão da loira, que diz ter memórias registradas por mais de 80% do corpo.

“Muita coisa mudou na minha vida. Era bom tomar café com os colegas, falar sobre os nossos dias. Os horários também mudaram e os cuidados aumentaram, afinal, não dá para bobear. O que não fico sem é a minha rotina de beleza. Passo o batom, mesmo que não fique aparente, e as tatuagens são minhas paixões”, citou.

A profissional acorda todos os dias às 4h para iniciar a jornada. Segundo ela, mesmo com todas as orientações, ainda tem passageiro que acaba não respeitando as medidas de segurança. 

“A gente pede para eles colocarem a máscara direito, que no queixo não protege e também para que higienizam as mãos com álcool em gel. Tenho muito medo de ser infectada e creio que não vou ser, mas tenho muito medo de isso acontecer. Por isso é importante continuar se cuidando para que isso não aconteça, até [a pandemia] não passar”, completou.

Motorista há mais de 40 anos, Luiz Antonio Rodrigues, de 58 anos, mora em Ipeúna. Ele tem dois filhos e vive com a esposa. Todos os dias, o profissional sai de casa às 4h para fazer transporte fretado para empresas. Ele tem muito orgulho da profissão que exerce.

“Essa profissão me engrandece muito. Sei que não é fácil, mas temos que estar preparados. Temos que ter paciência, cautela , educação, ser pontuais. É uma profissão que usa todos os seus sentidos ao mesmo tempo. Precisa ter vocação. Não é para qualquer um. Não pretendo parar tão cedo”, afirmou o motorista.

Luiz disse ao JC que usa equipamentos de proteção e acaba passando adiante o que ouve falar sobre a covid-19. Sobre a mudança na rotina, contou que foi inevitável. 

“Tivemos que deixar de lado as conversas com os amigos, pois temos que respeitar as medidas de segurança. É preciso evitar contato direto para que esse vírus não chegue até nós. A gente precisa continuar na luta, mesmo sabendo que não é fácil”, falou.

E por fim, como recado final, o profissional comentou sobre o que seria um mundo ideal no trânsito. “Nos deparamos com outros motoristas que acham que são profissionais, mas muitos deixam a desejar. É só sair pelas ruas que é nítido. É preciso muito preparo. Muita caminhada. Sempre é bom se atualizar com as realidades do novo mundo, que só muda, e também com as tecnologias.”

Carla Hummel: