VINICIUS TORRES FREIRE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O crescimento do número de mortes por Covid-19 no Brasil desacelerava em um padrão parecido ao de grandes países europeus até faz cerca de 15 dias. Desde então, o ritmo de aumento do morticínio passou a diminuir bem menos do que na Europa.
O número oficial de mortes crescia a 6,5% ao dia na sexta-feira (8), no Brasil. Em dia equivalente da epidemia na Itália, crescia a 3,1%. Faz duas semanas, os ritmos dos dois países eram similares. O ritmo está em 2,5% na França. No Reino Unido, 3%. Nos EUA, 8,2%. No estado de São Paulo, 4,6% (vide tabela ao lado).
Não se trata da variação do número absoluto de mortes por dia, que foi de 751 na sexta-feira, por exemplo. Trata-se do aumento porcentual do número de óbitos de certo dia em relação às mortes acumuladas até a véspera.
Caso o ritmo brasileiro tivesse acompanhado o da Itália, como parecia acontecer faz 15 dias, o número total de mortes teria sido aqui cerca de 2.500 inferior ao de fato registrado até sexta-feira, de 9.897 “”é apenas um exercício aritmético.
“O resultado do Brasil é bastante preocupante, mais do que aquele observado em São Paulo. Todo o avanço obtido com a rápida adoção das políticas de distanciamento pode ser perdido caso o relaxamento das medidas se dê de forma descontrolada. Se isso acontecer, a esperada redução no número de óbitos, observada em muitos países até agora, pode acontecer mais tardiamente ou com menor intensidade no Brasil”, diz Pedro Hallal, epidemiologista e reitor da Universidade Federal de Pelotas.
Para o epidemiologista Paulo Lotufo, não há sinal de inflexão para baixo na curva de mortes do Brasil, ao contrário (descontados os casos paulistas), mas em São Paulo parece ter ocorrido essa virada, faz nove dias. Nesta conta, considerou a variação do número de casos por dia.
No entanto, a precariedade e a variância dos dados recomendem cautela, diz Lotufo, cético em relação às estatísticas da doença. Por ora, dados confiáveis seriam apenas o de total de mortes (por qualquer causa). A falta de exame detalhado dos casos fatais e o fato de o coronavírus provocar mortes de modo surpreendentemente variado dificulta a classificação das causas de óbito, diz.
Lotufo dirige o Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP e é professor de medicina na mesma universidade. Comentou os dados preparados pela reportagem da Folha também com base em informações de um software que analisa curvas e suas tendências.
O ritmo do aumento do número de mortes pode ter deixado de cair mais rápido no Brasil porque passou a haver mais testes dos que morreram pela doença, porque houve descontrole da epidemia ou uma combinação dos dois fatores.
Não é possível saber, por ora. Um modo de especular sobre o motivo seria verificar o aumento geral do número de óbitos e aqueles por SRAG, por exemplo. Mas o registro de um óbito qualquer pode levar até duas semanas para chegar às tabulações de cartórios e governos.
Embora acreditem que o número de mortes seja a medida por ora menos imprecisa, outros epidemiologistas consultados preferem esperar os dados das pesquisas amostrais de infecção antes de avançar análises em público.
Três deles acreditam que, pelos dados dos últimos 15 dias, parece ter havido descontrole da doença, embora não em São Paulo, no Sul e no Centro-Oeste, e o efeito de um início mais explosivo da epidemia em estados de Norte e Nordeste. Faz um mês, 55% das mortes de Covid-19 ocorriam em território paulista. Agora, são 35%.
O ritmo do aumento do número de mortes por milhão de habitantes também passou a cair menos no Brasil do que em grandes países europeus, no Canadá, no Irã ou na China, o que nem sempre foi o caso do 30º até o 40º dia equivalente da epidemia (vide tabela ao lado).
Depois do 40º dia, na comparação de 12 países de tamanho relevante e duração equivalente da epidemia, o Brasil ficou em situação pior, afora o caso dos EUA.
Quanto ao número de mortes por milhão de habitantes em si, o Brasil, com 36, ainda tem taxa inferior à de França (309), Itália (312), Espanha (480), Canadá (99) e EUA (108), embora Lotufo, da USP, afirme que tais comparações são muito problemáticas em caso de países continentais (como Brasil, China, EUA e Rússia) “”seria adequando fazer comparações de regiões desses países. Em São Paulo, o número de mortes por milhão está em 66, ainda inferior ao de países europeus de tamanho comparável (mas superior ao da Argentina).
Segundo Hallal, esse resultado brasileiro se deve ao fato de o país ter adotado de modo precoce o distanciamento social. Para o pesquisador, a situação agora se tornou mais preocupante porque “a maioria dos países começou a adotar o relaxamento das medidas quando a curva epidêmica já estava em estágio descendente, enquanto o Brasil o faz antes mesmo de os números começarem a cair”.
O número de mortes por Covid-19 é um indicador menos incerto do avanço da epidemia do que o de casos. Mas é defasado: as mortes de hoje indicam o andamento da epidemia faz pelo menos 15 dias, quando as pessoas que morreram devem ter sido contaminadas. A contagem de mortes é ainda controversa. Alguns países contam óbitos por causa de Covid-19 mesmo sem testes, por exemplo.
Há ainda subnotificação, embora se desconheça sua dimensão, no Brasil e em cada país comparado. Também não se sabe se o ritmo de subnotificações é variável (se for mais ou menos constante, não altera a medida do ritmo de crescimento).
Enfim, mesmo que o ritmo de aumento do número de mortes volte a cair mais (em porcentagem), essa queda mais tardia vai fazer com que o número absoluto de mortes seja muito mais alto. Paralelamente, o número de casos graves deve ser também mais alto, superando a capacidade de atendimento nas UTIs, o que já acontece em certas capitais. O Brasil pode ter falhado no achatamento da curva.
O número de mortes por dia foi aqui calculado como uma média de sete dias (os óbitos do dia mais aqueles dos seis dias anteriores: uma média móvel), de modo a atenuar variações causadas pela grande queda da notificação em finais de semana, por exemplo. Este tratamento dos dados, assim como o uso do número de mortes por milhão de habitantes, é também sugerido pelo “Our World in Data”, ligado à Universidade de Oxford.
A contagem de dias de epidemia foi feita a partir da quinta morte em cada país, que assim podem ser comparados em estágios (dias) equivalentes.