Debate sobre renomear varíola dos macacos ganha força após ataques a primatas

Folhapress

Os ataques contra primatas que vêm acontecendo no Brasil, decorrentes de uma associação equivocada entre a presença dos animais e o aumento de casos de varíola dos macacos, repercutiram mundialmente e deram novo fôlego aos pedidos para que a OMS (Organização Mundial da Saúde) altere o nome da doença.

Questionada sobre o tema em Genebra nesta semana, a epidemiologista Margaret Harris, porta-voz da entidade, condenou a violência contra os bichos e reiterou a intenção de encontrar um nome melhor para a doença. Em meados de junho, o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, já havia anunciado publicamente esse desejo.

Dias antes, mais de 20 especialistas internacionais, incluindo grandes nomes do ramo da epidemiologia e da saúde pública, assinaram um artigo defendendo que era urgente adotar uma nomenclatura “não discriminatória e não estigmatizante” para o vírus e para a doença por ele causada.

A varíola dos macacos só foi batizada assim por um mero acaso: a primeira vez que foi identificada e descrita foi justamente em um grupo de primatas em um laboratório na Dinamarca, em 1958. “Na verdade, o vírus é mais comum em roedores”, relembra a epidemiologista da OMS. Os cientistas ainda não têm consenso sobre que animal seria o reservatório natural do vírus, que já foi documentado em diferentes bichos, inclusive em cachorros.

Diversas entidades, de associações de proteção animal a organizações de saúde, também já se pronunciaram publicamente pedindo uma alteração na nomenclatura.

“Varíola dos macacos é um nome ruim porque parece trazer a mensagem de que os macacos têm responsabilidade pela doença, o que não está correto. Na verdade, eles têm tantos riscos quanto nós, humanos, e também de outros animais, de pegar a doença”, diz a infectologista Raquel Stucchi, professora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

A médica destaca que há uma grande insatisfação com a nomenclatura entre os infectologistas e epidemiologistas brasileiros, que já vêm pedindo mudanças há mais de três meses, desde a identificação dos primeiros casos do atual surto.

Apesar do aparente consenso, a alteração não é uma tarefa fácil e tampouco tem prazo determinado para acontecer.

Existem precedentes para a mudança de nomes de doenças consideradas problemáticas e estigmatizantes. O processo, porém, é burocrático e normalmente lento.

No caso específico da varíola dos macacos, há duas questões: o nome do vírus e a nomenclatura da doença, cada uma sob responsabilidade de uma entidade específica.

O Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV, na sigla em inglês) é quem tem a palavra final sobre a mudança do nome do agente patológico. A organização tem, no momento, um projeto com o intuito de aproximar os nomes dos vírus do formato como outros organismos são registrados.

A alteração do nome do vírus, em inglês chamado de “monkeypox”, precisaria passar primeiro pelo órgão.

Fontes ligadas ao comitê dizem que há boa disposição para fazer mudanças, mas muitos apontam que uma alteração radical, com o abandono total do uso do termo “monkeypox”, poderia comprometer a literatura científica que vem sendo produzida sobre esse vírus há mais de 60 anos.

A epidemiologista Raquel Stucchi considera que, com a internet e as atuais ferramentas de documentação, a troca do nome do vírus não representaria um grande problema.

“O preço de manter o nome monkeypox é muito mais alto do que eventual problema com a literatura científica”, opina a médica, que cita como exemplo a ocorrência frequente de mudanças de nome de vírus e bactérias.

Já para a mudança do nome da doença, em teoria, o processo poderia ser mais simplificado, já que fica dentro do guarda-chuva da Organização Mundial da Saúde.

Desde 2015, a OMS tem um guia de boas práticas para escolher o nome das novas doenças. Segundo o documento, devem ser usados termos descritivos mais genéricos, sem associações a indicações geográficas, nomes pessoais ou espécies de animais ou plantas. Na atual pandemia, a escolha do nome Covid-19 já seguiu esse critério.

O problema é que não existe orientação sobre o que fazer com os nomes das doenças que já existiam antes das orientações. A lista de enfermidades que não estão de acordo com as novas regras é bastante extensa, já que durante séculos foi relativamente comum que novas doenças e vírus acabassem batizados com referências a animais ou a regiões geográficas.

E isso perdurou até bem pouco tempo. Em 2009, a doença causada pelo vírus H1N1 foi primeiramente chamada de gripe suína. Outro exemplo é a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS, na sigla em inglês), de 2012.

“O trabalho para ver a questão do nome está acontecendo. É um trabalho grande. Teremos novidades em breve, mas, infelizmente, ainda não é agora”, disse Harris, da OMS, na última terça-feira (9).

Redação JC: