Antonio Archangelo
No ano em que completa 25 anos de existência, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) passa pela maior crise de existência, sobretudo, com avanço da proposta que visa a redução da maioridade penal. Se por um lado, quase 90% da população é favorável que adolescentes, a partir de 16 anos, respondam por seus atos criminais, do outro, educadores, estudiosos e políticos pregam investimentos na prevenção. Em entrevista ao JORNAL REGIONAL, o vice-prefeito de Santa Gertrudes, Paulo Zemuner (PT), defende mudanças no estatuto, mas não a redução da maioridade. “Cadeia no Brasil, infelizmente, não recupera nenhuma pessoa que cometeu crimes. O ECA precisa, sim, de uma mudança, o tempo de internação dos menores infratores deve ser maior se os crimes cometidos forem graves”, cita. Para a pesquisadora e professora da Unesp de Rio Claro, Joyce Mary Adams, “como todas as leis no Brasil, modifica-se uma sem que ela seja, de fato, conhecida e aplicada. Fala-se muito sem saber exatamente o que o ECA propõe, as propostas de endurecimento das punições de crianças e adolescentes não contribuirá com a diminuição da violência e servirá somente para punir ainda mais os adolescentes e crianças pobres”, comentou.
Medidas socioeducativas
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as medidas socioeducativas são disciplinadas pela Constituição Federal de 1988, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) e pela recente lei que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Lei 12.594/2012).
Em pesquisa com 320 estabelecimentos de internação existentes no Brasil, a fim de analisar as condições de internação a que os 17.502 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de restrição de liberdade estão sujeitos, o CNJ, em publicação oficial, aponta que 43,3% já haviam sido internados ao menos uma outra vez; “além da recorrência dos atos infracionais contra o patrimônio cometidos pelos reincidentes, constata-se que a ocorrência de homicídio na reiteração da prática infracional foi aproximadamente três vezes superior à primeira internação”.
De acordo com o Presidente do Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente de Rio Claro, Luiz Jardim, não há coincidência entre os 25 anos do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente e o avanço do projeto da Redução da Maioridade Penal. “Houveram outras tentativas anteriores de alteração. Me lembro de 1999. Creio que haja uma parcela dos legisladores que, pressionados, buscam alterar o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente no momento político e social atual”, opinou ao JORNAL REGIONAL. A Comarca de Rio Claro tem 382 crianças/adolescentes cumprindo medidas socioeducativas.
Restaurando cidadãos
A população clama pela prisão dos contraventores, assassinos, estupradores, porém o atual sistema penitenciário brasileiro está, literalmente, em colapso. Medidas como a redução da maioridade penal, se consumadas, devem implodir os presídios brasileiros. Dados atuais do International Centre for Prison Studies, uma organização não governamental com sede em Londres e que acompanha os números do encarceramento no mundo todo, colocam o Brasil em 4º lugar no ranking mundial de população prisional. Da mesma maneira, o país ocupa o 1º lugar quando comparado aos demais países da América do Sul.
De acordo com o Mapa do Encarceramento, de 2015, a quantidade de pessoas presas no Brasil durante o período de 2005 a 2012 cresceu 74%. Se em 2005 o número absoluto de presos no país era 296.919, sete anos depois, em 2012, este número passou para 515.482 presos. Destas, 190.828 estavam encarceradas no estado de São Paulo. Cabe lembrar, ainda, que 38% da população prisional no país é formada por presos provisórios, ou seja, pessoas que estão sob a custódia do Estado sem que tenham sido julgadas. Outros 61% dos presos são condenados e 1% está sob medida de segurança.
ALTERNATIVAS
Neste cenário apocalíptico novas medidas estão sendo consideradas para o contexto nacional. Dentre elas, a chamada Justiça Restaurativa, que desconstrói o paradigma da Justiça punitiva-retributiva em vigência no país.
Em linhas gerais, explica o presidente do Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente de Rio Claro, Luiz Jardim, na Justiça Restaurativa “o papel da justiça passa a ser o de restauração das violações/infrações, a reparação do dano. Todavia não somente a vítima deve ser reparada, também a sociedade como um todo”.
“Essa mesma reflexão também deve valer sobre o agressor/violador/infrator, nas relações interpessoais e na situação que levou o agressor/violador/infrator a provocar o dano/violação”, exemplifica. “As decisões são vinculadas à capacidade do outro em se sentir restaurado e para chegarmos a este estágio nossa sociedade terá de construir mecanismos de reflexão sobre a necessidade de ser recompensada ou não pelo ato praticado pelo agressor/violador/infrator”, concluiu dizendo que apoia integralmente a adoção deste novo conceito.
Para o advogado, professor Livre Docente da PUC-SP e liderança do Movimento Terepresento, Ricardo Sayeg, “a pena privativa de liberdade, no meu entender, deve ser aplicada apenas para os crimes mais graves. Nosso sistema carcerário – superlotado e inoperante na reeducação do apenado -, impõe este sistema alternativo diante da realidade do país e de novo marco civilizatório”, comentou ao JORNAL REGIONAL.
No Estado de São Paulo, a Justiça Pública tem apoiado projetos de Justiça Restaurativa, entre eles, está o que visa o aprimoramento de técnicas para enfrentar conflitos dentro das escolas estaduais. De acordo com a pesquisadora e professora da Unesp de Rio Claro, Joyce Mary Adams, que vem estudando a aplicação do conceito nas unidades escolares, “enquanto proposta de prevenção da violência escolar penso que tem alguns métodos que são válidos enquanto técnicas para serem utilizadas em processos de mediação de conflito na escola, mas é necessário que não seja compreendida como o que vai resolver os conflitos pois estes têm natureza mais complexa”, disse.