SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Tem criança na rua”, denuncia uma de cinco faixas espalhadas por pontos turísticos do centro de São Paulo neste 12 de outubro, Dia das Crianças.
Praça da Sé, viaduto do Chá, Teatro Municipal, Pátio do Colégio e praça do Patriarca amanheceram com grandes faixas em que também se lê “Órfãos da pátria, Órfãos da pandemia” e “Olhai as crianças em risco de situação de rua”.
As mensagens foram elaboradas pelo escritor e “artivista” Tião Nicomedes, 53, para um evento de acolhimento e doação de brinquedos a crianças em situação de rua que se converteu em palco para o protesto por conta do agravamento no quadro de pessoas vivendo em barracas na região central da capital paulista. O evento que virou protesto foi feito em parceria com o Comite PopRua (Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua).
“A quantidade de gente que a pandemia trouxe para a rua fez desse evento um grito sobre o que está acontecendo, na cidade e no país, com a questão das crianças, da pobreza e da fome. Boa parcela está na rua, sem vacina, e está aqui por comida, pra não morrer de fome”, explica Tião, que se autointitula “artivista”, mistura de artista e ativista, e conhece do assunto.
Tião já viveu nas ruas do centro de São Paulo, situação da qual saiu com o auxílio de políticas e equipamentos públicos de assistência social, antes de se tornar dramaturgo e funcionário da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da cidade de São Paulo. Tião já contou sua história no podcast Cara Pessoa, parceria da Folha com a Conectas.
Em 2019, o último censo da população em situação de rua de São Paulo apontou mais de 24 mil pessoas sem teto. Hoje, estima-se que já seriam mais de 30 mil pessoas nessas condições na capital paulista.
“O que tem me espantado é que tenho visto famílias demais, famílias inteiras na rua com móveis, com sofá, com tudo de casa. Sem rumo”, afirma ele. “É criança cuidando de criança, ou sozinha por aí. E pais de rua assumindo essas crianças, numa situação em que vejo mais exploração do que cuidado”, avalia. “E está na cara do Estado.”
Segundo Tião, essa população se tornou órfã da pátria, slogan que estampa uma das faixas do protesto. “São brasileiros que não podem ficar em lugar nenhum. Estão expatriados na própria pátria.”
No mês passado, o presidente do Movimento Estadual da População de Rua de São Paulo, Robson Mendonça, se acorrentou em frente à Câmara Municipal em protesto contra o fim de programas emergenciais para os sem-teto criados durante a pandemia.
O Brasil tem hoje mais pessoas na miséria do que em 2011 e em relação a antes da pandemia. São 27,4 milhões de brasileiros vivendo com menos de R$ 261 ao mês, ou R$ 8,70 ao dia, segundo a FGV Social.
“Imagina que essas crianças tinham seu quarto ou uma cama e agora estão emboladas numa barraca com todo mundo. Elas estão espantadas. Será que essas crianças vão crescer sem um lar e uma comida decente preparada pela família?”, questiona o artivista.
Tião relata casos em que crianças foram presas furtando “churrasco grego ou bolacha”. “Já foram para a Fundação Casa e estão vivenciando a cadeia. Estamos em 2021. Não era pra gente estar assim”, lamenta. “Se o resgate de milhares de pessoas em situação de rua já era algo difícil, sem um planejamento ou uma política fica impossível”, critica.
Para Tião, “enquanto os partidos e os políticos brigam numa eleição permanente, a solução não vem”. “O pessoal vai sofrendo e pagando essa conta”, diz. “O que estamos fazendo com as nossas crianças? E que adultos nós vamos ter? Quem serão nossos cidadãos com isso que nós estamos oferecendo?”, questiona.
Tião havia elaborado originalmente um evento social de arte e brincadeiras para crianças em situação de rua com a artista plástica, produtora cultural e atriz Marina Veneta, morta aos 27 anos em agosto passado.
“Virou uma homenagem a ela, que, como todo artista, sofreu muito durante a pandemia”, explica ele, que se reuniu ao grupo Grafiteiros do Bem e recebeu doações de brinquedos a serem distribuídos durante as atividades com crianças que hoje moram em barracas no centro da cidade. Eles nomearam a iniciativa de “Dia de Veneta”.