Folhapress
O pastor Samuel Freire da Costa, filho de um dos mais influentes líderes evangélicos do Brasil, está sendo acusado de racismo por um adolescente que teve sua foto descartada de uma campanha da igreja., Seu cabelo black power teria motivado o veto, conforme o próprio pastor disse em um em vídeo gravado por uma irmã do jovem e apresentado à Justiça em uma ação por danos morais contra o pastor e a igreja, que acabou extinta por questões técnicas.
Samuel é filho de José Wellington Bezerra da Costa, que presidiu a CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil) quase que ininterruptamente entre 1988 e 2016. Hoje o comando está com outro filho seu, irmão de Samuel.
O pastor Paulo Morais, do departamento jurídico da igreja, parte da Assembleia de Deus Ministério Belém, diz que “os usos e costumes quanto a tamanho e tipo de cabelo masculino não têm qualquer relação ou discriminação com grupos sociais, raças ou etnias”. Trata-se apenas, afirma, “de práticas adotadas pelas Assembleias de Deus em toda a sua história”.
O jovem tinha quase 16 anos quando, segundo a ação, participou de uma campanha da Assembleia de Deus Belém, em São Mateus, na zona leste de São Paulo. A imagem foi anexada ao processo: ele e mais uma adolescente seguram um balão inflável dourado na forma do número três, indicando quantos dias faltavam para o começo do projeto “Creio São Mateus”.
Para ele, diz a peça, “participar da campanha era uma vitória” porque, teria visto ali “a oportunidade de demonstrar aos jovens negros que eles tinham um lugar dentro da igreja, lugar que ele acreditava possuir”.
Teria sido informado pelo líder dos jovens da igreja, contudo, que a foto não seria usada. No dia do seu aniversário de 16 anos, de acordo com seus advogados, ele procurou o pastor Samuel para entender a situação. A conversa, a qual a Folha teve acesso, foi gravada por sua irmã em outubro de 2021. A reportagem não irá revelar o nome do adolescente porque ele tem menos de 18 anos.
Nas imagens, o jovem chora e conta que demorou para se aceitar. Afirma que uma colega, no baile de formatura, disse que seu cabelo era “duro”.
O fiel diz ao pastor que, por ser branco, ele nunca passaria por algo assim, “de vir aqui me justificar por causa do meu cabelo”. Afirma também que não se sentia incluído na Assembleia de Deus e acrescenta que por muito tempo odiou seu penteado. A vida toda escutou que “cabelo bom é cabelo liso”.
Samuel lhe diz que seu corte de cabelo desvia dos padrões da igreja e cita uma passagem bíblica que pede obediência aos pastores. “Nós temos o nosso padrão. Se você quer ficar, repito, é muito bem-vindo e amamos você. Mas não vem com esse negócio de inclusão, de afro, isso é coisa do cão, isso é coisa do inimigo. Pessoas com pele muito mais escura e com o cabelo muito pior que o seu, e estão aqui cultuando ao mesmo Deus. Tá bem? Tá certo? Deus abençoe.”
A mãe do adolescente fez um boletim de ocorrência na época, catalogado como discriminação por preconceito racial. O documento registra a acusação da família contra Samuel, em episódio narrado assim: “Ao ser questionado, o líder do grupo (que segue ordens da igreja) disse que seu cabelo (black power, afro) estava grande e deveria ser cortado para ser exposto nas fotos, pois não se encaixa nos padrões da igreja (que são baixos, curtos e penteados)”.
A igreja rebate: “Em razão da incompreensão por parte [do adolescente] e familiares, há um inquérito policial perante a 49ª Delegacia de Polícia de São Mateus, onde todos foram ouvidos. O relatório da autoridade policial é conclusivo: ‘Em nenhum momento [Samuel] quis ofender o jovem, até elogiou seus trabalhos feitos na área infantil, por achá-lo muito inteligente'”.
O delegado Leandro Resende, titular do 49° DP, afirmou que o inquérito já foi finalizado e agora o caso aguarda um posicionamento do Ministério Público.
Por causa do episódio, a família do adolescente entrou com a ação contra o pastor e a igreja que ele representa na qual pediam R$ 50 mil por danos morais.
O adolescente pediu para ser beneficiado pela Justiça gratuita, para que não pague o custo do processo.
A ação foi então extinta porque o juiz indeferiu um pedido de mais prazo para os advogados comprovarem que a família do fiel não pode bancar com os custos processuais, uma questão processual técnica.
Os advogados dizem que vão entrar com a ação de novo, assim que esse problema técnico for superado.
No processo, os advogados Andrea Yamasaki e Pedro Mingatti dizem que “o cabelo afro é uma ferramenta política de luta contra a hipervalorização da estética branca”. Seu cliente, continuam, “sofreu por diversos anos com esse sentimento de menosprezo, até que atingisse o entendimento de que o simples ato de manter o seu cabelo natural era uma forma silenciosa de combater o racismo que sempre o cercou”.
Há três frentes judiciais no caso: cível, criminal e administrativa, junto à Secretaria de Justiça de São Paulo, a partir de uma lei que penaliza discriminação racial.
A área jurídica da Assembleia de Deus afirma que “está acompanhando inquérito bem como aguarda a manifestação do Ministério Público”.
A reportagem conversou com um irmão do jovem. A família continua indo à Assembleia, mas agora evita a sede, onde o confronto com Samuel aconteceu.
Segundo o irmão, o adolescente ficou abalado com o caso, chorando muito. A mãe deles é fiel da denominação há cerca de três décadas, afirma.
Morais, do departamento jurídico da igreja, diz que o pastor Samuel atendeu o adolescente após um culto e “o orientou quanto aos usos e costumes praticados pela instituição”.
O líder evangélico “não foi compreendido”, afirma. Ele também frisa que o adolescente que processa Samuel e a instituição “continua frequentando normalmente a igreja em São Mateus”.
“A Assembleia de Deus Ministério Belém trata com respeito todos os frequentadores, membros e fiéis em seus cultos e reuniões e declara estar perplexa com o registro do boletim de ocorrência e a ação indenizatória.”