Foto de criança expõe crise na assistência à saúde dos yanomamis

FABIANO MAISONNAVE
MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Na aldeia Maimasi, em Roraima, uma criança yanomami jaz sobre a rede. Com as costelas expostas pela desnutrição, ela foi diagnosticada com malária e verminose. Mas a primeira equipe médica no local em seis meses não dispunha de medicamentos suficientes para tratar toda a aldeia.


A foto dessa criança e a história por trás dela foram obtidas pelo missionário católico Carlo Zacquini, 84, que atua entre os yanomamis desde 1968. Ele é cofundador da Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY), que deu visibilidade aos problemas causados pelos brancos, promoveu atendimento em saúde e lutou pela demarcação, concluída em 1992.


O território yanomami sofre com o aumento da malária e com a desnutrição infantil crônica, que atinge 80% das crianças até 5 anos, segundo estudo recente financiado pela Unicef e realizado em parceria com a Fiocruz e o Ministério da Saúde.


Os indígenas também enfrentam uma grande onda de garimpo, incentivado por promessas do presidente Jair Bolsonaro para legalizá-los e pelo alto preço do minério. São cerca de 20 mil não indígenas morando ilegalmente na Terra Indígena Yanomami, contaminando os rios com mercúrio, contribuindo para espalhar Covid-19 e malária, além do álcool e da prostituição.
A seguir, o depoimento de Zacquini:

É uma criança da aldeia Maimasi, a dois dias a pé da Missão Catrimani. Ela está sem assistência há muito tempo, com malária e verminose.


A fotografia foi feita por volta de 17 de abril. O pessoal das equipes de saúde tem receio de denunciar essa situação, pois podem ser punidos, colocados em lugares mais penosos ou ser demitidos. Vários polos de saúde estão abandonados. Não há estoque de medicamentos para verminose na sede do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami), em Boa Vista. Até para malária a quantidade é limitada.


O posto de saúde tem muita dificuldade para conseguir medicamentos. Faltam profissionais para revezamento e falta gasolina para deslocamento. Há três meses, eles usam a canoa com rabeta [motor] dos próprios yanomamis.
Para chegar a Maimasi, seriam oito minutos de helicóptero, mas, a princípio, isso só ocorre em casos de emergência. Evidentemente, essa criança é um caso de emergência!


Para levar medicamento ao pólo-base, foram deslocados um avião com uma equipe médica, porém eles ficaram aguardando inutilmente a chegada do helicóptero.


Havia seis meses que ninguém visitava a aldeia. Dessa vez, foram medicamentos para malária, mas não deu para repetir a dose. Uma equipe da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde), incluindo médico, foi de avião até a Missão Catrimani para levar esses medicamentos.


O pessoal da saúde faz tratamentos com medicamentos, mas o tratamento não tem continuidade quando trocam de equipe. Assim, quando possível, fazem a primeira dose de tratamento, mas depois de um tempo os doentes devem recomeçar a partir da primeira dose.


Estou revoltado e com o sangue fervendo. É uma situação que parece estar se generalizando na Terra Indígena Yanomami.

O vaivém de garimpeiros é contínuo e isso implica voos de avião, barcos, helicópteros e a pé. São milhares os invasores da Terra Indígena Yanomami, e o presidente da República anuncia que irá pessoalmente falar com os militares que estão ali e com os garimpeiros também. Faz questão de dizer que não vai prender estes últimos, mas somente conversar.


Até para malária os medicamentos são contados, incluindo a cloroquina. Tem cloroquina para Covid, mas não para malária. A criança desnutrida está numa aldeia a oito minutos de helicóptero de um posto de saúde, mas leva um dia a pé. E depois dessa aldeia há outras, que na época estavam reunidas para o cerimonial funerário em outra aldeia mais afastada.


A equipe do pólo-base se deslocou a pé para a aldeia e encontrou um grupo grande de yanomamis que fazia um ritual funerário para uma criança que tinha morrido sem assistência. Eles ministraram medicamentos para verminose a todos, mas esse medicamento acabou e não puderam dar uma outra dose, o que é a praxe.


Aliás, havia mais de um ano que aquelas aldeias não recebiam atendimento contra verminose. A criança da foto e outros 16 indígenas presentes estavam com malária, a maioria deles com falciparum, a variedade mais agressiva. Os demais 84 estavam todos com sintomas de gripe e de febre.

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