GUSTAVO FIORATTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um déficit de R$ 76,2 milhões em uma década e uma estrutura que está sendo considerada obsoleta pelo governo estadual. São esses os principais argumentos da equipe do governador João Doria para a aprovação de um polêmico projeto de remodelação do complexo que abriga o ginásio do Ibirapuera, no Paraíso, e que também prevê a concessão pública da administração daquele espaço.
Segundo dados da Secretaria de Esportes do Estado de São Paulo, o déficit gerado pelo complexo esportivo foi agravado pelo desinteresse de grandes eventos. O secretário da pasta, Aildo Rodrigues Ferreira, diz, por exemplo, que o ginásio não comporta mais alguns dos espetáculos do Cirque Du Soleil, embora OVO, com direção de Deborah Colker, tenha passado por lá no primeiro semestre de 2019.
Aos números. Em 2018, as despesas do complexo atingiram R$ 13,5 milhões, e as receitas somaram R$ 2,7 milhões, com diferença negativa de R$ R$ 10,8 milhões.
Em 2019, as despesas caíram para R$ 2,6 milhões, com receita de 4,4 milhões, saldo positivo. Em 2020, esses números são respectivamente de R$ 12,1 milhões e R$ 307 mil. A queda abrupta de receita foi causada pelos cancelamentos e os protocolos de isolamento social impostos pela pandemia do coronavírus.
A redução orçamentária de 2019, por sua vez, foi, segundo a Secretaria de Esportes, uma exceção causada pela troca de gestão, incluindo a revisão de custos e da programação do ginásio.
Ainda segundo Ferreira, o Estado não tem caixa para realizar o investimento que considera necessário para o conjunto.
O governo Doria aposta na reversão do déficit a partir de duas fontes: um valor de outorga fixa, valor a ser pago pela empresa que vencer o edital e firmar contrato de concessão pública com o estado (ainda não fixado no texto de um edital ainda a ser publicado); haveria também, anualmente, a cobrança de 0,5% sobre qualquer receita, mais 0,5% da receita para cobrir a fiscalização, no projeto preliminar da concessão, que pode sofrer modificações.
O projeto prevê livre circulação e utilização gratuita de serviços pelos paulistanos. A concessão segundo Ferreira “facilitaria processos burocráticos de contratação, eliminando etapas exigidas por lei do poder público, como a realização de licitações”, o que acontece em processos de compra e contratação.
A propostas têm sido combatidas por atletas, associações de bairro e políticos da oposição. Lançada pela Secretaria de Esportes do Estado como um estudo preliminar ao chamamento público que dará origem ao processo de concorrência, a ideia é erguer um novo ginásio conjugado a um complexo multiuso.
Atletas, arquitetos e associações de moradores se uniram para barrar o edital, que, segundo o governo, deve ser lançado ainda em março. Mas a própria Justiça já colocou mais um obstáculo.
Em dezembro, a juíza Liliane Keyko Hioki, da 2ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, concedeu liminar para suspender a publicação de edital de concessão do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, que ocupa uma área de 95 mil m² e agrega o Ginásio Geraldo José de Almeida (ou ginásio do Ibirapuera), o Estádio Ícaro de Castro Mello, o Conjunto Aquático Caio Pompeu de Toledo, o Ginásio Poliesportivo Mauro Pinheiro e o Palácio do Judô. A decisão ainda não foi revertida.
A medida resultou de ação popular assinada por diversos atletas, como o velocista André Domingos, a esgrimista Maria Julia Herklotz, o nadador Ricardo Prado e a jogadora de vôlei Vera Mossa. Também está na lista o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro.
Um processo de tombamento do complexo foi recusado no Condephaat, órgão de preservação do estado, porém foi aberto pelo Iphan, que opera na esfera federal. O processo pode resultar em tombamento.
O valor arquitetônico é o centro da discussão e da recusa ao projeto. Na liminar, a juíza Hioki diz que o complexo é “marco de uma época, de um estilo arquitetônico, que uma vez demolido para sempre estará perdido, guardado em simples fotos e memórias de quem por lá teve o prazer de passar”.
“É certo que, como todo aparelhamento esportivo público do país, o complexo foi esquecido pelo Poder Público e não se mostra tão grandioso como outrora, há deterioração das áreas e dos aparelhos, porém, isso não pode ser motivo para se destruir um marco da cidade. A preservação, como em qualquer país civilizado, deve prevalecer, porque nisso está o interesse público”, ela escreveu.
Diversas representações de moradores do bairro se uniram contra o projeto também sob a bandeira da preservação da memória.
“O que é estranho para nos munícipes da região é que em nenhum momento fomos consultados ou ouvidos sobre o tema. Questiona-se por que não tem sido feito nenhum investimento do próprio governo na modernização”, diz Marcelo Torres de Oliveira, presidente a Associação Viva Paraíso, citando federações brasileiras abrigadas pelo conjunto.
“Nós da associação somos contrários a proposta na forma apresentada, pois é uma região que não comporta a existência de mais um shopping, porque e estrutura viária não foi dimensionada para receber o fluxo de veículos, e não existe transporte público de acesso a esta região”, prossegue.
O Ginásio fica a 2 km da estação Brigadeiro do Metrô e está próximo à avenida Brigadeiro Luís Antônio, onde há diversas linhas de ônibus. Oliveira afirma: “Somos favoráveis a melhoria e modernização das estruturas do atual espaço, mas não na sua modificação”.