VINICIUS SASSINE – BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A guerra das vacinas não é o único embate entre as gestões Jair Bolsonaro (sem partido) e João Doria (PSDB). O Ministério da Saúde e o governo paulista se veem também em um duelo por seringas e agulhas.

Com risco de desabastecimento e restrições à importação do produto da China, como revelou o jornal Folha de S.Paulo na terça-feira (15), governos federal e estadual deram início a uma corrida para tentar garantir a compra de seringas.

O material permitirá o início da imunização – quando existir, de fato, uma vacina autorizada no país contra a Covid-19.

A batalha inclui um edital do Ministério da Saúde para selecionar empresas fornecedoras de 300 milhões de kits e 27 editais da Secretaria Estadual de Saúde para escolher fornecedoras de 100 milhões de seringas e agulhas.

A quantidade que São Paulo quer colocar em estoque equivale a um terço do que a União planeja para o país inteiro. São Paulo tem 44 milhões de habitantes, e o Brasil, 212 milhões.

Representantes de indústrias ouvidos pela reportagem afirmam que compras em exagero podem desequilibrar o mercado.

Há ainda o risco de não existir material suficiente ou preço minimamente aceitável para atender a todas as intenções de compra. Esta possibilidade já ficou evidente em São Paulo.

O governo Doria fracassou três vezes na tentativa de fazer pregões eletrônicos para escolher fornecedores. Em cada pregão, tentou-se escolher empreendimentos para fornecer 50 milhões de itens, sem êxito.

Já o Ministério da Saúde deixou para o último mês deste ano a iniciativa de fazer uma licitação que escolherá fornecedores de seringas. Porém, para o ministro Eduardo Pazuello, o Brasil está na vanguarda da imunização.

A cúpula da pasta vem ignorando, há seis meses, um pedido do Ministério da Economia para que se manifeste sobre a existência de interesse público na importação de produtos da China.

Por enquanto, segue valendo uma sobretaxa de US$ 4,55 por quilo na importação dos produtos. No pedido de manifestação à pasta de Pazuello, o Ministério da Economia aponta risco de faltarem seringas quando a vacina estiver disponível. Representantes das indústrias no país fazem o alerta pelo menos desde maio.

Agora, União e governo de São Paulo correm para garantir a compra. Há vantagem para a gestão Doria, que prevê concluir primeiro a seleção dos fornecedores.

Após o fracasso das três tentativas, a estratégia adotada pela secretaria estadual foi fatiar o processo de aquisições em 27 pregões.

Cada um deles, em sua grande maioria, prevê compras de 4 milhões de seringas e de 4 milhões de agulhas, com a separação dos itens. Ao todo, são 100 milhões de um insumo e 100 milhões do outro.

A previsão é que os pregões ocorram entre esta sexta-feira (18) e a próxima quarta (23). A secretaria quer comprar tanto seringas com capacidade de 3 ml, tipo mais comum na aplicação de um imunizante, quanto as de 1 ml.

Os prazos de entrega estabelecidos nos editais vão de janeiro a julho. Para o próximo mês, o governo paulista quer ter 12 milhões de seringas e 16 milhões de agulhas, destinadas principalmente à Coronavac, a vacina chinesa a ser produzida pelo Instituto Butantan, que também será comprada pela União.

Já o edital do Ministério da Saúde, que prevê a seleção de empresas para o fornecimento de 331 milhões de seringas e agulhas (os dois itens como um único produto), tem pregão marcado para o dia 29, seis dias depois da conclusão dos processos da gestão Doria.

Desse total, 300 milhões são para as vacinas contra a Covid-19, e 31 milhões, contra o sarampo.

O ministério também fracionou as compras, apesar de se tratar de um único pregão, permitindo contratos e entregas até 31 de dezembro de 2021 – cinco meses a mais do que o prazo estipulado pelo governo paulista.

Para janeiro, a União espera receber 20 milhões de seringas e agulhas. Todos os produtos têm capacidade de 3 ml.

O edital do ministério permite que empresas façam ofertas para parte dos lotes, em uma quantidade mínima de 25%. Serão aceitas empresas estrangeiras, desde que tenham representação legal no Brasil.

A corrida pelos insumos envolve, até agora, somente União e estado de São Paulo, segundo representantes de empresas que estão de olho nos editais abertos.

Esses representantes dizem que, apesar do atraso em todo o processo e da grande quantidade de seringas necessária para a vacinação contra a Covid-19, os editais poderão ser exitosos em razão do fracionamento das compras.

“O incremento da produção depende de uma realidade: existir a vacina. Hoje, não existe a vacina”, disse Walban Souza, diretor de Assuntos Corporativos da Becton Dickinson (BD) Indústrias Cirúrgicas, uma das três fabricantes de seringas no Brasil.

A BD tenta manter, por meio de um processo no Ministério da Economia, a sobretaxa ao produto chinês.

Segundo Souza, haverá uma tentativa por parte dos fornecedores de atender os editais “de forma igualitária”. “Os fabricantes vão participar e vão entregar”, afirmou.

O Ministério da Saúde não centraliza a compra de seringas e agulhas. Segundo a pasta, o que ocorre é o repasse de verbas aos estados, que ficam responsáveis pela aquisição dos insumos.

“Excepcionalmente, em razão da pandemia, a pasta realiza aquisição de forma centralizada”, disse o órgão, em nota.

O Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) afirmou não monitorar os estoques nos estados.

Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo afirmou ter uma reserva de 11 milhões de seringas e agulhas para a vacinação contra a Covid-19.

“A estratégia de compras fracionadas tem o objetivo de garantir estoques para aplicação de vacinas na população, em conformidade com o cronograma e públicos prioritários previstos pelo PEI (Plano Estadual de Imunização).”

Os produtos se destinarão a outras campanhas de vacinação, segundo a secretaria. Em 2019, 77 milhões de seringas e agulhas foram usadas na rotina de imunização contra doenças diversas, afirmou o órgão.

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