Somente no primeiro semestre, 23 espécies foram atendidas pelo Centro de Triagem e Recuperação de Animais Silvestres
O período de férias escolares acende um sinal de alerta. Uma atividade recreativa, comum para adultos e crianças, as pipas representam um perigo às aves. Além disso, a utilização de linhas mais resistentes “chilenas” e com cerol (pó de vidro misturado à linha com cola para “cortar” a pipa adversária), que é inclusive proibida por lei, agrava o nível de ameaça.
Somente no primeiro semestre de 2023, o Centro de Triagem e Recuperação de Animais Silvestres de São Paulo (CETRAS SÃO PAULO), da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), recebeu 68 indivíduos, de 23 espécies distintas, todos com lesões ocasionadas por linhas com ou sem cerol. Entre elas estão: a corujinha-do-mato (Megascops choliba), a marreca-ananaí (Amazonetta brasiliensis), o gavião-peneira (Elanus leucurus) e o pica-pau-de-banda-branca (Dryocopus lineatus).
Diferente do que muitas pessoas pensam, os ferimentos não ocorrem durante a prática de empinar a pipa, mas sim com pedaços de linhas que ficam enroscados em árvores, casa, prédios e outras edificações. Os acidentes podem acontecer em duas situações, durante o voo ou pouso, próximo aos locais onde as linhas ficam enroscadas, ou quando elas são utilizadas como substrato nos ninhos. Como é um material que não sofre degradação com o tempo, representa risco permanente para qualquer espécie, entre elas, as aves de rapina e outras adaptadas as cidades.
“Muitos animais chegam a óbito, pois ficam longos períodos feridos no alto das árvores”, explica a coordenadora do CETRAS SÃO PAULO, Lilian Sayuri Fitorra, citando o caso de um carcará (Caracara plancus), encontrado já sem vida.
Com a crescente adaptação das espécies ao ambiente urbano, o uso das linhas como substrato nos ninhos passou a ser também uma realidade e um problema. “Isso ocorre principalmente com as maracanãs (Psittacara leucophtalmus) e com o periquito-rico (Brotogeris tirica). Eles substituíram os itens naturais por linhas, para forrar os seus ninhos”, explica Sayuri. “Durante o desenvolvimento dos filhotes, à medida que eles crescem, eles enroscarem as patas, o que pode resultar em lesões graves ou até mesmo na amputação completa”, acrescenta.
Os tratamentos para casos de lesões com linhas de pipa são complexos e exigem muita dedicação dos técnicos do CETRAS. “As intervenções podem variar da correção ao implante de penas, da analgesia à imobilização, de pequenas cirurgias até amputações”, detalha a coordenadora. A técnica de implante de penas, atividade da qual o CETRAS SÃO PAULO é uma referência, consiste na inserção de uma nova pena por meio de uma haste, leve e flexível, na base da que foi perdida.