Legado de Mitiko Nevoeiro é relembrado após três décadas de trágico acidente

Mitiko e as filhas Aiko e Tiemi. Mais ao fundo o primogênito Netto. Foto foi tirada na posse do segundo mandato de Nevoeiro Junior

Ela teve uma passagem curta na vida, mas marcante. Há 30 anos Rio Claro chorava a morte de sua primeira-dama Mitiko Matsushita Nevoeiro em uma despedida que levou centenas de pessoas ao Paço Municipal para o último adeus a uma mulher notável e dinâmica na vida pessoal e pública. No dia 26 de janeiro de 1994, após uma temporada de férias em uma fazenda, o carro dirigido por ela chocou-se violentamente contra a grade de proteção de uma ponte sobre o Rio Carapitanga, na entrada do município de Registro (SP). No veículo, seu pai Hiroô Matsushita também não resistiu aos ferimentos. Sobreviveram as filhas Aiko e Tiemi, a sobrinha Michele e a mãe de Mitiko, dona Kaoru.

A notícia caiu como uma bomba no município, que realmente parou. Por três dias somente os serviços emergenciais da prefeitura funcionaram, ficando as demais repartições fechadas em sinal de luto. A repercussão foi além, chegando também a rádios, TVs e jornais do interior e capital.

Mitiko era mulher extremamente determinada, independente e decidida. Mais do que herdar a sabedoria e a riqueza da cultura japonesa, onde concluiu vários cursos na terra do ‘Sol Nascente’, propagava modernidade e defendia os valores das culturas com que conviveu, além de ter um senso de justiça social aflorado. Com um currículo extenso sempre foi destaque muito mesmo antes de assumir sua missão de primeira-dama. Entre muitos trabalhos que realizou foi comissária da Braniff International (companhia aérea norte-americana) e comissária internacional da Deutsche Lufthansa (empresa alemã de aviação mundial). Teve passagens pela direção social da Associação Cultural e Beneficente Nipo-Brasileira, Clube da Lady em Rio Claro e Fundo Social de Solidariedade.

Mitiko durante evento de entrega de ovos de Páscoa para as crianças de Rio Claro

Para o primogênito Dermeval da Fonseca Nevoeiro Netto, que na época tinha 14 anos, a morte da mãe foi como a ruína de um pilar: “Ver a minha mãe naquele caixão, uma mulher tão forte, de ferro, era inconcebível. Porém, ao mesmo tempo, fui tomado por um entendimento de fé, que trouxe de certa forma paz e clareza. Apesar da minha pouca idade acredito que fui firme e coerente e fiz o que precisava ser feito. Perdi minha mãe e meu avô, mas ali ganhei minhas duas irmãs de volta e minha avó. Porque quem viu a forma como o carro ficou após o acidente não acreditava que alguém poderia ter saído com vida de algo tão violento”, recorda.

Hoje casado e pai de uma menina, ele afirma que procura passar para a filha os valores que aprendeu com a mãe: “Não teve um único dia nesses 30 anos que eu não me lembrei dela. Seja em casa, em uma decisão importante ou até mesmo nas adversidades, eu me pego imaginando de que forma minha mãe me aconselharia. Porque ela era uma mulher que não adiava nada. O que precisava ser feito tinha que ser feito. Ela não abria mão dos princípios”.

A filha do meio, Aiko Nevoeiro Cortez, admite que traz em sua personalidade algo que era muito marcante na mãe e que ficou gravado em sua memória: “A parte da dignidade sempre foi muito importante para a minha mãe. Ela sempre me dizia ‘nunca seja Maria vai com as outras porque Deus te deu um cérebro e você não pode pensar como todo mundo’. Isso ficou tão marcado pra mim que às vezes eu tenho uma necessidade de ser do contra. A hora que eu vejo um efeito muito ‘manada’ eu pego um outro caminho”, conta.

Aiko também cita que tudo em que a mãe colocava a mão acontecia: “Ela tinha esse poder das pessoas abraçarem as ideias dela. As ações sociais, os projetos, tanto no Clube da Lady como à frente do Fundo Social de Solidariedade, eram um sucesso. Tenho boas lembranças disso porque ela sempre me levava junto. Então eu ajudava a montar sacolinhas, fazia ovos de Páscoa, pizzas. Outra coisa que ela não abria mão também era de nos aproximarmos da cultura japonesa. Isso era algo que ela prezava muito também”.

A força da mãe também é algo que ficou marcado nas lembranças da filha do meio: “Minha mãe nunca demonstrou um sinal de fraqueza. Nunca vi ela chorar. Tem uma frase dela que acho válida e necessária: se um dia você quiser mandar, você tem que saber fazer”.

Mitiko ao lado de Nevoeiro, filhos e da sogra Aurora

Já para a caçula Tiemi Matsushita Nevoeiro, hoje com 39 anos, a memória da mãe é alimentada diariamente pelo legado que ela deixou: “Trinta anos se passaram e sempre encontro pessoas que carregam lembranças muito vivas da minha mãe. Essas histórias que chegam até mim me acalentam o coração por bons motivos. Primeiro é a certeza de que ela realmente é um ser de luz que, numa passagem tão breve no plano terrestre, tocou tantas vidas com o seu amor, respeito e altruísmo; segundo é poder conhecer mais dela, pois minha convivência com minha mãe foi de apenas 9 anos, então, quando alguém fala dela, pra mim, além de uma honra e orgulho, é uma oportunidade de conhecê-la um pouquinho mais. Curioso é que, por muitas vezes, pessoas desconhecidas me reconhecem por ela e, consequentemente, os relatos das lembranças que a tornam eterna. Lembro-me muito da sua postura corporal sempre ereta e de cabeça erguida. Hoje adulta, percebo que sua postura transmitia a sua essência e valores: respeito, honestidade, dignidade, serenidade e uma fé inabalável. Minha mãe era doce sem ser mole, era rigorosa com a educação e alimentação. Prezava muito a família, a vida, a fé em Deus, a sua pátria e culturas. Impossível passar um dia sequer sem ter a lembrança dela”, finaliza.

NEVOEIRO JR. RELEMBRA HISTÓRIA

Nevoeiro Junior foi prefeito na cidade de Rio Claro por três mandatos. Foi no primeiro deles, nos anos 70, que conheceu Mitiko Matsushita: “Recebemos em Rio Claro uma comitiva do Japão e no evento estava Mitiko, que foi convidada para ser intérprete, intermediar meu diálogo com os visitantes. Naquele momento me encantei por ela e no final fui pedir seu telefone, pois acreditava que ela estava a serviço da embaixada do Japão. Jamais imaginei que ela morasse em Rio Claro. Ali foi nosso primeiro contato. Depois disso nos aproximamos, namoramos por alguns meses e nos casamos”, conta.

Nevoeiro relembra que foram anos marcantes ao lado de Mitiko, que tinha uma personalidade muito diferente da dele: “Isso não foi empecilho, ao contrário, nos complementávamos. O legado dela na vida pública, junto à comunidade, foi algo surreal. Ela ampliou o sentido da cidadania e se envolveu em vários projetos, sendo o mais marcante o Super Férias. Mitiko foi uma mulher muito inteligente, bem acima da média. Severa quando necessário, mas extremamente carinhosa. Quando aconteceu o acidente automobilístico, onde ela e o pai vieram a falecer, foi uma grande comoção. No velório, que aconteceu no Paço Municipal, mais de 20 mil pessoas passaram para prestar homenagens. Hoje, depois de 30 anos, ficam as boas lembranças e a certeza de que ela foi um grande exemplo que passou pelo município de Rio Claro”, finaliza.

O prefeito na época Nevoeiro Jr., em seu primeiro mandato, quando apresentou Mitiko à sociedade como sua namorada

SUPER FÉRIAS

Um dos projetos de sucesso que marcou época e idealizado por Mitiko foi o ‘Super Férias’. Sem celular, redes sociais e toda a tecnologia de hoje, as crianças se divertiam em excursões para conhecer setores da prefeitura, empresas da cidade e pontos turísticos. Hoje, com 53 anos, a moradora do Jardim São Caetano, Izilda Brigatti Zaniolo, foi uma das crianças que na época realizaram passeios: “Eu tinha 11 anos e estudava na Escola Municipal Antonio Sebastião da Silva, na região do Cervezão. Quando chegava a época das férias escolares já ficávamos ansiosos para o Super Férias. Era como se fosse uma ‘febre’ entre os estudantes, todo mundo queria ir, mas tinha uma condição para poder desfrutar dos passeios: precisava ser um bom aluno, uma boa aluna. Isso, na época, incentivava a gente a estudar, tirar boas notas. Dois locais que eu me lembro bem de ter ido foram a fábrica de balas e o Horto. Na fábrica conhecemos os maquinários e ganhamos muitas balas. Já no Horto visitamos o Museu e fizemos piquenique. O ônibus pegava os estudantes no CSU João Rehder e depois trazia de volta. Inclusive tenho uma lembrança muito bonita da Mitiko em cima de um palco que tinha lá. Ela recebia as crianças e aconselhava. Teve uma vez que ela distribuiu bonecas e carrinhos. Uma mulher muito elegante e de um coração muito bom”, relembra.

Vlada Santis: