Os centenários Dona Joanna e Seu Rocha construíram suas vidas enquanto Rio Claro se desenvolvia e o Jornal Cidade se consolidava como veículo de referência na região
Testemunhas oculares da História. É assim que podemos definir dois conhecidos e queridos moradores de Rio Claro, hoje centenários. Durante décadas, dona Joanna e Seu Rocha participaram ativamente do desenvolvimento de Rio Claro e em vários momentos tiveram suas vidas ligadas à trajetória do Jornal Cidade.
Desde o início a vida apresentou várias dificuldades para Joanna Barbosa da Costa. Nascida em Pinheiro, um antigo assentamento na Serra da Mantiqueira, numa família de agricultores, Joanna ainda criança começou a trabalhar na lavoura, já na região de Bauru, para onde se mudaram em busca de melhores condições de vida. Foi lá que, na juventude, conheceu o marido, Alcides da Costa (já falecido). O jovem casal trabalhou em fazendas em diferentes lugares até a chegada a Rio Claro, em 1973.
De início, o casal e seus dez filhos se abrigaram numa pequena casa no Jardim Independência, na região do Grande Cervezão, que ainda era um misto de bairro com zona rural, com poucas moradias e muitos terrenos vagos. Não havia água encanada nem energia elétrica.
Já vivendo em outra casa, na Rua 6, uma tragédia levou a família a aparecer na imprensa, quando um incêndio destruiu o imóvel e o pouco que haviam juntado até ali. Mas dona Joanna não se deixou abater: “Passei por muitas dificuldades, mas não guardo mágoas”, analisa agora, do alto dos seus 104 anos. Apesar dos recursos escassos, o casal decidiu então partir para o desafio de conquistar a casa própria, o que exigiu novos sacrifícios. “Eu saia a pé aqui do Cervezão e ia até o Claret, onde demoliram uma casa e abandonaram os tijolos. Juntava o material até a beira da estrada, onde um vizinho nos ajudava com o transporte depois” relembra.
Sem acesso à escola, Joanna aprendeu o básico da leitura e da escrita observando o irmão ensinar outros meninos, já que as mulheres ainda não eram aceitas na turma. Mas sempre teve muito interesse pelo conhecimento e pela vida em comunidade. Mulher de muita fé, passou a reunir vizinhos embaixo das mangueiras no terreno que hoje abriga a capela de Santa Terezinha. “Tocava numa lata para avisar que o terço ia começar”.
Ciente da pobreza que marcava a vida dos migrantes que chegavam no bairro, transformou a frente de sua casa no primeiro projeto social. “A Prefeitura tinha um projeto chamado Vaca Mecânica na época em que o Lincoln Magalhães era prefeito. Então a gente conseguia atender as crianças de toda a região” relembra. Foi nessa época também que algumas melhorias chegaram ao bairro, incluindo o asfalto, e a capela, que foi erguida através de mutirão. Dona Joanna também foi parteira, fez curativos, buscava ajuda e ajudava quando alguém estava em dificuldades. E isso faz com que até hoje seja reconhecida quando sai às ruas do Grande Cervezão. “Tem esses testemunhos, eu encontro hoje pessoas já adultas que me reconhecem e vem me abraçar, lembram que foram do meu projeto” relata, emocionada, a querida líder comunitária.
Aos 103 anos, Seu Rocha agora tem no celular o aliado para estar sempre bem informado
O carpinteiro José Rocha da Silva, de 103 anos, atualmente desfruta da merecida aposentadoria. Mas este descanso é uma condição recente. Os familiares contam que Rocha seguiu trabalhando mesmo depois de completar 90 anos, e só parou quando sofreu uma fratura do fêmur, aos 94. Conseguiu se recuperar, e agora aproveita o descanso ao lado da família. São dez filhos (teve ainda mais dois, que faleceram na infância), 34 netos, 53 bisnetos e doze tataranetos.
Em seu dia a dia, Rocha enfrenta a saudade da falecida esposa, Maria Josefina, que conhece no interior paulista, na cidade de Valparaíso. Ele, vindo como migrante de Riacho de Santana, na Bahia, de onde sua família partiu, a pé, carregando os pertences em dois “burricos” para fugir da seca e dos ataques do bando de Lampião, que logo chegaria ao povoado. Ela, nascida em Pernambuco, também migrou para o interior de São Paulo em busca de melhores condições de vida. “A vida lá era muito difícil, por causa da seca. Meu pai juntou o pouco que tínhamos e saímos andando, assim como fizeram muitas famílias” relembra emocionado.
As habilidades como carpinteiro fizeram com que Rocha nunca ficasse sem trabalho, que começou já na adolescência. De fazenda em fazenda, onde construiu currais e cercas, acabou conhecendo várias cidades do interior, até chegar a Rio Claro em 1984, já com esposa e filhos. O sonho da casa própria foi realizada no município, num Cervezão que ainda começava a se formar como bairro. “Trabalhei em várias fazendas , em Ajapi, Analândia. No início, um caminhoneiro aparecia no bairro e levava quem estava procurando serviço. Depois fui me estabelecendo, conhecendo as pessoas, encontrei muita gente boa. Também trabalhei na formação do Distrito Industrial, fazendo as cercas nas grandes áreas das empresas” relata Rocha.
Além de muita dedicação ao trabalho, uma característica do carpinteiro é o interesse por estar sempre bem informado. Durante muitos anos, através dos jornais impressos, lidos na companhia do filho Agnelo, quando Rocha acompanhava as edições do JC. Com o passar dos anos, surgiu a dificuldade de enxergar as letras, hoje resolvida através do celular. Nas redes sociais e no YouTube, Rocha agora acompanha tudo que acontece em Rio Claro e no mundo, além de assistir aos cultos. Quando questionado sobre quais os fatores de sua longevidade com qualidade de vida, destaca os cuidados e carinho que recebe dos filhos, relembra que sempre trabalhou no campo, “sentindo o ar puro, vendo a natureza. Mas o mais importante mesmo é a fé em Deus. É ela que sustenta tudo”, aconselha Rocha.