Mais popular na pandemia, meditação ajuda no autoaceitação e até no luto

VITOR MORENO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Esquecer o mundo lá fora e concentrar-se apenas em si mesmo tem sido uma tarefa cada vez mais hercúlea em tempos de pandemia. Por isso, muitas pessoas vêm recorrendo à prática da meditação para tentar manter a saúde mental em dia.
Dados do Google apontam que as buscas pelo termo bateram recorde no ano passado. Ou seja, desde 2004, quando a empresa passou a fazer o registro, nunca tanta gente se interessou pela prática. O pico foi em abril, logo depois que as medidas de isolamento social começaram a ser adotadas.
Nos últimos 12 meses, houve um aumento repentino de buscas como “meditação guiada para dormir, curar e relaxar”. Já “meditação para acalmar a mente” teve aumento de 200%, “como fazer meditação para ansiedade” de 170% e “meditação guiada para relaxar” de 150%.
No YouTube, vídeos de meditação guiada passaram a ganhar bastante evidência. Eles tiveram aumento de 50% na média de visualizações entre 15 de março de 2020 e 15 de março de 2021 em comparação com os 12 meses anteriores.
A plataforma de vídeos afirma que o interesse por termos relacionados à saúde mental alcançaram o maior patamar em maio de 2021 desde o início da série histórica, iniciada em 2008. Só as buscas por “como relaxar a mente” cresceram 60% no último ano.
No mesmo período, cresceram 130% as buscas por “meditação para dormir profundamente” e “meditação para acalmar a mente”. Elas são seguidas por “meditação para ansiedade” (120%), “meditação guiada para ansiedade” (60%) e “meditação para dormir” (40%).
ACOLHIMENTO
A psicóloga Thais Peixoto, 32, é uma das que procurou a prática durante a pandemia. “Sempre tive muito interesse, mas acabava dando prioridade para outras coisas”, conta. “Antes da pandemia, você ia para um parque, uma academia, mas nesse período não tinha muito o que fazer.”
Como teve que trabalhar na linha de frente de um hospital público durante a pandemia, ela diz que acabou ficando bastante impactada com o que viu. “Eram muitos pacientes em fase de morte, processos de despedida, famílias afetadas”, relata. “Isso interferiu muito na qualidade da minha saúde mental e do meu sono.”
Peixoto, que mora com marido, Vinícius, e duas cachorrinhas, chamadas Bagunça e Carmela, viu que precisava desse tempo para ela. Assim, ela aproveitou um espaço aberto que tinha e montou um cantinho onde se sentia à vontade.
Passou a acordar cedinho, por volta de 6h30, para fazer suas práticas. “É um momento de você se centrar, de parar para se escutar”, diz. “Gosto de fazer um ritual, acender um incenso, começo com ioga para acordar o corpo e finalizo com a prática da meditação.”
Ela começou com a meditação guiada, indicada por uma colega. Depois, passou a acompanhar algumas transmissões ao vivo e, por fim, baixou um aplicativo. No entanto, hoje já consegue fazer a prática sozinha.
“Acho que foi um marco para mim”, avalia. “O que mais me ajudou foi a ampliar o respeito e o acolhimento que comecei a ter comigo mesma, com as minhas emoções, sem classificar se eram boas ou ruins. Foi muito importante para mim esse processo, ainda mais em um momento que estava muito conturbado.”
“Vi como um recurso que me ajudou verdadeiramente”, afirma. “O sono começou a melhorar muito, a questão da disposição também, além de conseguir silenciar um pouco o pensamento quando ele aparecia muito alterado. Isso não só no momento da prática, porque as repercussões ficam para o resto do dia.”
Peixoto diz que, a partir da experiência própria, tem indicado a prática para muitas pessoas. “É algo que eu integrei na minha vida como um recurso de autocuidado, de relaxamento e de prazer”, garante. “Começou na pandemia, mas quero levar para a vida.”
RITOS DE PASSAGEM
A produtora de conteúdo Lila Guimarães, 40, é outra que mergulhou na prática durante a pandemia. Apesar de já ter experimentado a meditação antes, ela diz que não conseguia ser muito fiel por não ser muito disciplinada para esse tipo de atividade.
Porém, ela diz que foi a prática que a salvou nesse período. “Quando começou o período de maior isolamento, fiquei mais reclusa com a minha família, longe de todo mundo”, conta.
Além disso, ela perdeu um tio e um primo para a Covid-19. “Foi uma aula de meditação que me trouxe de volta um centramento, que segurou muito a minha onda”, afirma. “Claro que a gente não deixa de sentir dor, mas tem mais consciência sobre o momento, fica mais apaziguada. Foi um colo para mim.”
Ela lembra que, nesse dia, dedicou a prática à tia que havia perdido um filho. “Foi um momento em que não pude estar com ela fisicamente”, diz. “Ritos de passagem tiveram que acontecer de forma diferente, então através dessa técnica não passei por um vazio total. Pelo menos em mim supriu um vazio muito grande de estar longe neste momento.”
Ela diz que, no dia a dia, não tem um momento específico para meditar. Além disso, foi juntando várias técnicas que aprendeu em aulas ou vídeos da internet. “Tento trazer o estado meditativo para as minhas atividades diárias”, conta. “Seja no banho ou no momento em que estou cozinhando, trago essa respiração mais consciente, profunda, o silêncio, e começo a me apropriar dessas técnicas.”
Porém, ela sabe que quando consegue parar para fazer, seu dia vai ser melhor. “A profundidade do relaxamento é outra”, admite. “O que eu quero é praticar sempre, porque é preventivo. O dia que você começa com meditação pode ter certeza que você vai se estressar menos.”
E, claro, isso vem ajudando em diversos aspectos de sua vida. “Sempre fui muito ansiosa, é uma vibração que te faz ficar muito ligada no que vem depois e acaba que você não vive o momento presente. A meditação me ajuda a dominar essa ansiedade, a viver o passo a passo.”
“Você vai se treinando para não se intoxicar com os pensamentos e sentimentos”, explica. “Isso acaba trazendo junto um estilo de vida com mais consciência sobre tudo, você não vai mais ficar simplesmente passando pelas situações sem entender como aquilo bate em você.”
ESCOLHA A TÉCNICA CERTA
A pesquisadora e instrutora de meditação Vanessa Aragão, 41, confirma a alta procura por essas práticas nesse último ano. “As pessoas começaram a procurar ferramentas que ajudassem a lidar com o que estava acontecendo na cabeça delas”, diz.
“Até então, havia uma ilusão de que dava para botar debaixo do tapete ou empurrar com a barriga”, conta. “Mas tem um momento zero que é perceber que não dá para ignorar o que está acontecendo dentro de você, chega uma hora que você percebe que não dá para lidar dessa forma para sempre.”
Ela explica que o princípio básico da meditação é simples. “As pessoas acham que são o pensamento delas, o que não é verdade”, explica. “A gente se embola com tudo o que se passa na nossa cabeça. A maior parte dos nossos pensamentos traz muitas ilusões, projeções. Aí a gente sofre, cria apego e não sabe como se livrar deles.”
“A meditação vem para te mostrar que você não é esse conteúdo, que existe um espaço entre você que pensa e o que está sendo pensado”, continua. “Quando você consegue experimentar esse espaço, criar esse distanciamento, é que você consegue ter essa sensação de liberdade.”
Aragão conta que a nossa mente está condicionada a sempre reagir de imediato aos estímulos. “Com a meditação, a gente desperta antes para essa reação que estava para acontecer e decide se quer embarcar nela ou não”, diz. “Você passa a perceber quando vai vir o medo, a ansiedade…”
“É uma ferramenta que te ajuda a se descolar de todo esse emaranhado”, garante. “Só de perceber melhor as coisas como elas são já tira um peso. Pode até ser que você não consiga controlar 100% das vezes, mas vai começar aos poucos e quando vir já vai estar fazendo na vida.”
A especialista, que estudou no Kopan Monastery e no Kathmandu Center of Healing do Nepal, diz que não há pré-requisitos para praticar a meditação. “Todo mundo pode meditar, é para qualquer um”, afirma.
Ela diz que há muitas técnicas diferentes e que, mesmo quem se considera muito agitado para meditar, pode encontrar alguma com a qual se identifique mais. “É preciso pesquisar os estilos e entender se vai fazer sozinho, em grupo, com aplicativo, com professor particular… Hoje em dia tem muitas possibilidades!”
Além dos vídeos no YouTube, é possível encontrar diversos aplicativos -tanto gratuitos quanto pagos- nas lojas de aplicativos para celulares. A Netflix tem um programa em parceria com um dos mais conhecidos, o HeadSpace, mas o serviço de streaming não informa os dados de consumo no Brasil.
Para quem não pode pagar, também há desde transmissões ao vivo em redes sociais promovidas por instrutores e escolas até sessões gravadas de eventos promovidos por serviços públicos, como os Centros de Práticas Naturais da Prefeitura de São Paulo e a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP.
“A questão é não brigar com quem você é”, avalia Aragão. “Se você for uma pessoa mais distraída, vale tentar alguma técnica que inclui movimentos de corpo, por exemplo. Se começar no Zazen, que exige mais estabilidade de corpo, olhando para uma parede branca, não vai funcionar.”
A profissional diz que todas são ótimas portas de entrada para a prática. “Vale à pena, mas gaste um tempo pesquisando quem é a pessoa que está por trás, onde ela estudou e as linhas de pensamento dela”, diz. “Isso é delicado e sério.”
Ela aconselha que a prática seja guiada por um instrutor experiente, principalmente nos casos em que a pessoa está passando por uma condição psicológica muito delicada, como uma depressão profunda, um luto ou uma doença em fase terminal. “Podem surgir conteúdos com que a pessoa não saiba lidar naquele momento”, ressalva.
De resto, Aragão lembra que é preciso ter paciência para que a meditação tenha efeito. “Se a pessoa passou a vida inteira desconectada, vai precisar criar uma relação com esses espaços, leva um tempo”, avisa. “É como aprender a ler, primeiro você aprende as palavras para depois formar frases.”

Redação JC: