Marca de 4.000 vítimas riscaria do mapa num único dia Corumbataí (SP), que vive escalada da pandemia

Praça Central de Corumbataí - Foto: Prefeitura Municipal de Corumbataí

FÁBIO ZANINI E EDUARDO KNAPP – CORUMBATAÍ, SP (FOLHAPRESS) – A marca simbólica de mais de 4.000 mortes diárias pela Covid-19, registradas pela primeira vez nesta terça-feira (6), significaria riscar do mapa, com sobras, uma cidade como Corumbataí (SP), a 203 km de São Paulo.

São 4.064 habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Percorrer as cerca de 30 ruas do município ajuda a dimensionar o que representa concretamente a calamidade registrada em apenas 24 horas.

No caso de Corumbataí, no centro-leste do estado, seria equivalente a extinguir quatro mercados, dois restaurantes, duas agências bancárias, duas academias de ginástica, sete igrejas (duas católicas e cinco evangélicas), dois postos de saúde, três escolas, além de uma pizzaria, diversos botequins, duas barbearias, duas padarias, lojas de roupas e duas fábricas de móveis.

Isso apenas na malha urbana, que concentra 65% da população, sem contar os produtores rurais que criam gado de corte e aves, plantam cana de açúcar e abrem suas chácaras para o turismo, base da economia local.
Também não seria mais possível receber dezenas de ciclistas de estrada que fazem da cidade rota obrigatória nos finais de semana.

A praça central, reformada pouco antes da pandemia, jamais veria em uso novamente a fonte e o coreto novos em folha, por ora ociosos para evitar aglomerações. As ruas da cidade têm ficado praticamente vazias nas últimas semanas, como foi possível constatar nesta terça-feira.

“Tem que sair pra rua com a cara e a coragem e pedir a Deus para não ficar doente”, disse Tatiane Aparecida de Lima, 41, funcionária da prefeitura que trabalha na conservação da praça, enquanto descansava sentada no coreto.

São cinco mortes nas contas da prefeitura (3 na contabilidade federal, via SUS). Proporcionalmente, ocorreram 74 óbitos por 100 mil pessoas, menos da metade da média do estado (171/100 mil) e do país (161/100 mil). Num local em que praticamente todo mundo se conhece, todas as mortes deixam marcas dolorosas.

Muitos recitam de cor a relação das vítimas: Kelly, estudante de 21 anos, Laércio, que trabalhava num estabelecimento que monta cestas básicas, João Machado, vigia no mesmo local, Marlene, dona de casa que tinha problemas no coração, e Arildo, pedreiro, “um homem alto e forte” que deixou filho pequenos.

Pior é a marcha acelerada da doença, que ecoa o ritmo do país. Foram duas mortes no ano passado inteiro, e as outras três desde fevereiro.

São 299 casos de Covid na cidade desde o início da pandemia, pela contabilidade da prefeitura, com 7 internados em hospitais de Rio Claro, cidade-pólo, a 30 km. Destes, 3 permanecem em estado grave.

Segundo o prefeito Leandro Martinez (DEM), 50, essa realidade traumática não impede que, nos finais de semana, a população relaxe nos cuidados.

“As pessoas precisam colaborar. É um tal de festa de aniversário, festa de família, churrasco. Todo mundo na cidade tem meu celular, recebo uma ligação de denúncia atrás da outra”, afirma.

Martinez não fez lockdown, mas chegou perto. No feriado de Páscoa, proibiu até mercados e padarias de abrirem, permitindo atendimento apenas por delivery.

No centro da cidade, o restaurante de Wagner Casseb, 59, frequentemente tinha fila de espera aos domingos de moradores da região atraídos pelo seu leitão a pururuca, o que mais se aproximava de uma aglomeração em Corumbataí.

Desde o início da pandemia, o salão do restaurante esvaziou e agora saem cerca de cem marmitex por dia. Embora o faturamento tenha caído 30%, ele apoia as restrições. “Não é hora de liberar, estamos banalizando as mortes”, diz.

A duas quadras de lá, a oficina de Mário Rogério Nunes, 40, especializada em estofamentos de couro para carros, trabalha sem parar.

Admirador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e arrependido por ter votado em João Doria (PSDB) para o governo paulista, acha que usar máscara “não funciona”. “O presidente é bom, o problema são os filhos. O Doria foi um voto desperdiçado, ele só quer medir forças com o Bolsonaro”, afirma.

Para tentar lidar com a curva ascendente dos casos e evitar que o frágil sistema de saúde entre em colapso, a prefeitura precisou improvisar um leito de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) no principal posto de saúde da cidade.

Na chamada “sala de estabilização”, onde antes funcionava espaço dedicado à fisioterapia, uma estrutura com oxigênio e respirador foi montada para acomodar pacientes enquanto esperam transferência para algum hospital mais equipado em cidades como Rio Claro, Araras ou Piracicaba.

“No começo, todo mundo se cuidou, depois relaxou”, diz a enfermeira responsável, Luciana Schmidtke.

Ao lado dela, a secretária de Saúde do município, Vanessa Galhardo, diz que acompanha com horror o salto nos números da doença. “É uma Corumbataí por dia que se vai”, diz.

Antes da pandemia, o posto de saúde funcionava até as 19h. Agora, é 24 horas, com a equipe de 50 pessoas, incluindo profissionais de saúde e funcionários administrativos, se desdobrando. A vacinação segue em linha com o ritmo a conta-gotas do país, um pouco mais veloz do que no resto do estado. A cidade está vacinando os habitantes que estão na faixa de 66 e 67 anos.

Com boa qualidade de vida, tendo sida recentemente premiada por suas práticas ambientais e PIB per capita de R$ 61 mil, entre os 5% mais altos do estado, a cidade faz planos para quando a tormenta passar.

Um dos primeiros, diz o prefeito, é recriar um sistema de som na praça para tocar músicas, fazer anúncios de utilidade pública e veicular declarações apaixonadas de namorados, como a cidade já teve no passado.

Só então o slogan de Corumbataí, que está na entrada da cidade e no chão em frente à igreja matriz, voltará a fazer sentido: “A vida vale mais aqui”.

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