LUCIANO TRINDADE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) –
Lewis Hamilton, 37, buscou ampliar seus laços com o Brasil nesta sua viagem ao país para a próxima etapa da F1. No Rio de Janeiro, visitou o Morro da Providência e até brincou de carrinho de rolimã com crianças. Em São Paulo, conversou com os alunos da Escola Estadual Lasar Segall, na Vila Mariana.
Era um desejo antigo do inglês conhecer mais a fundo as comunidades brasileiras. Tornou-se ainda mais importante para ele depois de ter sido agraciado com o título de cidadão honorário do país, há uma semana.
“Eu venho aqui há 15 anos. Passo pelas favelas, mas nunca tinha entrado até hoje. Eu não sabia como elas eram por dentro. Agora eu vejo o trabalho que eles estão fazendo ajudando as crianças”, diz o piloto à reportagem. “O que eu noto é que a educação não é tão boa quanto é estar aqui. E esse é o problema em alguns lugares ao redor do mundo.”
Justamente por isso, para o heptacampeão mundial, o esporte precisa ser também uma plataforma para a transformação social, sobretudo por sua capacidade de unir as pessoas. “Não é apenas um esporte, não é apenas a máquina de fazer dinheiro, não é apenas o entretenimento. Na verdade, o esporte pode impactar as pessoas positivamente.”
Foi isso o que ele tentou fazer em 2021, quando venceu de forma emocionante o GP São Paulo e, ao festejar, desfilou por Interlagos com a bandeira do Brasil. Foi por repetir o gesto eternizado por Ayrton Senna que o inglês recebeu o título de cidadão brasileiro.
“De longe, eu vi a quantidade de pessoas que morreram aqui [por causa da pandemia de Covid-19]”, diz. “Então pensei que eu talvez pudesse ajudar a levantar as pessoas que passaram por um momento tão difícil.”
Neste domingo (13), Lewis Hamilton sonha em, quem sabe, repetir o gesto na penúltima etapa da F1 no ano, às 15h (de Brasília), em Interlagos.
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PERGUNTA – Você sempre declarou um carinho especial pelo Brasil. Qual a sensação de retornar ao país após receber o título de cidadão honorário?
LEWIS HAMILTON – Com certeza, é muito especial. De longe, eu via as pessoas lutando aqui. Vi a quantidade de pessoas que morreram [durante a pandemia]. Eu sabia que o país estava sofrendo muito. Nós viemos aqui para a corrida, e então eu tive a minha própria jornada naquele fim de semana difícil. Ganhar aquela corrida foi uma das emoções mais loucas que eu já tive. Lembro-me de parar e ver a bandeira, pegá-la e pensar: “Talvez neste momento eu posso ajudar a levantar as pessoas que passaram por um momento tão difícil”. Eu não sabia como seria recebido, mas foi um dos momentos mais amorosos que eu tive. Eu realmente me sinto muito bem e acolhido aqui.
P – Você vem correr no Brasil desde 2007, mas ainda não tinha conhecido mais a fundo as comunidades. Qual sua impressão dos lugares que visitou?
LW – Eu venho aqui há 15 anos. Passo pelas favelas, mas nunca tinha entrado até hoje. Eu não sabia como elas eram por dentro. Agora eu vejo o trabalho que eles estão fazendo ajudando as crianças. Visitando o Rio, por exemplo, eu pude abrir os olhos. O que eu noto é que a educação não é tão boa quanto é estar aqui. E esse é o problema em alguns lugares ao redor do mundo. A educação é uma das coisas mais importantes para as crianças, para o futuro delas. Eu sei que tem muito trabalho para fazer nas escolas públicas aqui. Não sei o que posso fazer para compartilhar, mas existem algumas grandes organizações que estão trabalhando nisso. Mas a única coisa que eu realmente vi é que há muito amor aqui. Esta é uma cultura tão rica. E com uma positividade real e profunda que você não vê em todos os lugares.
P – Quais as principais mudanças que você notou no país nos últimos 15 anos, desde que começou a correr por aqui?
LW – É difícil ver realmente o progresso que tem sido feito. Eu vi algumas novas pontes, novos edifícios, vi a cidade evoluir um pouco melhor com o tempo. Mas isso é meio limitado pelo que eu vi. Agora estou tentando entender mais profundamente o que está no coração da cidade, o que está no coração das pessoas. É um país grande, há muito para ver. Eu preciso ir para a Amazônia. Eu preciso ver muito mais ainda.
P – Você já disse que cresceu amando o Brasil porque as pessoas daqui são parecidas com você. Quais são as semelhanças que você reconhece com o povo brasileiro?
LW – Bem, acho que para mim e provavelmente para muitos brasileiros, há uma real falta de representatividade em tantos campos. Para mim, quando criança, não havia super-heróis com a nossa cor. Não havia muitas grandes figuras reais na TV. Claro que você tem pessoas como Muhammad Ali, mas eles estavam tão longe. Acho, então, que o brasileiro vê em mim alguém parecido, talvez com valores parecidos, que gosta de pensar em ser uma boa pessoa, de se importar com mais do que apenas correr. Preocupe-se com as pessoas. E acho que é a paixão que tenho pelo que faço. Talvez isso se conecte com eles. Eu viajo o mundo todo, e tanta gente me pergunta o tempo todo: ‘Você é brasileiro?’ [risos].
P – O esporte pode unir as pessoas depois de situações que as colocaram em lados opostos, como questões sociais e políticas?
LW – Todos os esportes precisam fazer mais. Quando você olha para o futebol, ele tem um lugar tão grande no coração dos brasileiros e das pessoas ao redor do mundo, mas as organizações precisam fazer, e os times precisam fazer mais. Não é apenas um esporte, não é apenas a máquina de fazer dinheiro, não é apenas o entretenimento. Na verdade, pode impactar as pessoas positivamente. Quer dizer, reúne pessoas de todas as partes diferentes da cidade ou do país para esses eventos. Mas a mensagem é tão importante, a mensagem que eles estão divulgando pode realmente impactar as crianças. Portanto, há uma quantidade enorme de trabalho que precisa ser feito. Costumavam dizer que não há lugar para a política dentro do esporte, e eu acho isso uma bobagem. Quero dizer, política é uma coisa, mas direitos humanos não são política. É um direito que todo ser humano ao redor do mundo deveria ter. Então, falar sobre isso não deve ser separado, porque somos seres humanos. Por isso vão continuar a ter o meu apoio. Vou continuar a ser franco e tentar puxar o esporte nessa direção para fazer mais.
P – Você está se ramificando para algumas áreas novas, como o cinema. O que motivou você a criar uma produtora? Seus filmes vão carregar as bandeiras que você levanta, como o combate ao racismo e a luta por sustentabilidade?
LW – Não poderei correr para sempre, então estou muito focado em encontrar coisas que amo, coisas pelas quais sou apaixonado. Acho que sou bom em formação de equipes. Eu acho que sou bom em motivar as pessoas, e o que eu realmente acredito é em contar histórias. Há filmes que estão por aí que foram extremamente inspiradores para mim. Em termos de me levantar, como se eu estivesse tendo um dia difícil. Há tantas histórias ótimas por aí que acho que devem ser contadas. Histórias diversas para dar esperança às pessoas, para dar esperança às crianças. Então eu quero fazer parte disso. Quando eu fizer esses filmes e documentários, eu quero ter certeza de que eles estarão ligados em algum tipo de causa social. Tem que ter um propósito. Não apenas a história, mas também está ligado a inspirar.
P – Deseja virar ator?
LW – Essa é uma pergunta que me fazem o tempo todo. É uma coisa estranha porque quando eu era mais jovem eu sempre me perguntava se eu poderia estar em um filme. Eu me perguntava se eu poderia atuar. Agora, eu tenho uma plataforma. Mas estou realmente mais focado em tentar levantar outras pessoas. Estou na TV nas corridas o tempo todo. Eu não sei se eu preciso estar no filme, mas sim, quero dizer, talvez, se eu tiver uma chance e eu fizer algo um pouco, talvez seja algo para se divertir. Mas meu desejo é encontrar essas grandes histórias e colocar as pessoas certas no lugar para trazê-las à vida. Ser um bom ator requer muita preparação e tempo, e eu realmente não tenho tempo para fazer isso com todas as outras coisas que eu quero fazer.
P – A Mercedes não conseguiu ter um carro para brigar pelo título nesta temporada. O que será feito para a equipe ter um desempenho melhor em 2023?
LW – Estes próximos seis meses vão ser muito, muito difíceis. Particularmente para aqueles da minha equipe que estão na fábrica tendo que construir, tendo que cavar [um carro melhor]. Eles vão ter que cavar tão fundo nesse tempo para dar passos realmente grandes em direção ao carro que sabemos que poderemos construir. Faremos juntos. Acho que este ano ganhamos as novas ferramentas, ganhamos uma nova compreensão, evoluímos como engenheiros e designers. E, como equipe, estamos mais unidos do que nunca.
P – ual foi a maior lição que você tirou desta temporada em que você não pôde lutar por vitórias?
LW – Bom, acho que este foi um ano atípico, porque vencer é uma coisa linda, mas a luta é tão difícil e, às vezes, pode ser dolorosa, mas é o mais gratificante de longe. Então, estou muito agradecido por termos tido essa experiência juntos. Sei que o que quer que enfrentemos vamos superar. E eventualmente venceremos mais corridas e outro campeonato.
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RAIO-X
Lewis Carl Davidson Hamilton, 37, piloto inglês de F1, está na categoria desde 2007, passou pela equipe McLaren e está na Mercedes desde 2013. É recordista de títulos mundiais, ao lado de Michael Schumacher, com sete títulos (2008, 2014, 2015, 2017, 2018, 2019 e 2020).