Obrigatoriedade do uso de máscara depende do governador, diz David Uip

Folhapress

Frente a uma alta de casos de Covid no país e principalmente no estado de São Paulo, o secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde, David Uip, emitiu alerta nesta quinta (10) recomendando o retorno do uso de máscara em locais de alto risco e por pessoas vulneráveis, como idosos e imunossuprimidos.

A recomendação, de acordo com o infectologista, não é equivalente à volta da obrigatoriedade, que só poderia ser determinada por meio de decreto do governador do estado, Rodrigo Garcia (PSDB).

“Quando se fala em obrigatoriedade isso precisa ser precedido por um decreto do governador, e não é o caso. Nós estamos recomendando”, afirmou Uip, em entrevista à Folha de S.Paulo.

O secretário, que também é professor titular da Faculdade de Medicina da USP, foi um dos coordenadores do antigo comitê científico de combate à Covid no estado na gestão de João Doria.

Segundo o médico, a alta expressiva de casos verificada nas últimas duas semanas acendeu um alerta.

Dentre as recomendações da pasta estão, ainda, o avanço na vacinação com a 3ª e a 4ª doses naqueles que ainda não completaram o esquema vacinal e a imunização das crianças.

PERGUNTA – O sr. fez uma recomendação para retorno do uso de máscaras, irá ainda falar com o governador para expandir essa recomendação?
DAVID UIP – Já aconteceu [a recomendação de máscaras]. A Secretaria de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde lançou uma nota de alerta ontem [quinta-feira] informando o aumento do número de casos e recomendando o retorno do uso de máscaras em transporte público, em locais com aglomeração e, fundamentalmente, em populações vulneráveis, como pessoas com comorbidades e idosos.

P.- Isso não é o mesmo que o retorno da obrigatoriedade?
DU- Não, isso é uma recomendação. Quando se fala em obrigatoriedade, precisa ser precedido por um decreto do governador, não é o caso. Nós estamos recomendando.

P.- Nesse sentido, o governo está respaldando a recomendação da pasta?
DU- Quem se pronuncia sobre a recomendação ou não sou eu, que sou o secretário da pasta, ou alguém que fala em meu nome. Então a recomendação já foi feita e o governador já está informado com os números. O que estamos recomendando é para uso [de máscaras] em farmácias, principalmente, porque estamos vendo que as pessoas vão fazer testes em farmácias com sintomas e sem máscaras. Então farmácia, transporte público, são recomendações específicas que estão na nota.

P.- O sr. está acompanhando o aumento de casos no estado? Há preocupação com subida no final de ano?
DU- Nós estamos reunidos diariamente, 24 horas por dia e sete vezes por semana, o grupo [comitê científico] não dispersou. A secretaria está em pleno vapor. A nossa próxima reunião está marcada para quarta-feira, dia 16, depois do feriado [Proclamação da República, no dia 15].

P.- E vai haver nova recomendação?
DU- Vai depender dos números, nós trabalhamos com os números que são atualizados semanalmente. Inclusive, na próxima quarta vamos ter um problema, porque é pós-feriado e os dados não são normalmente adequados após feriados, porque há um atraso no registro do sistema. Mas vamos ter a reunião mesmo assim.

P.- Na próxima atualização é esperado que os números aumentem ainda mais?
DU- Sim. Sempre trabalhamos com os números das duas últimas semanas. O que eu estou vendo na minha clínica particular é um aumento importante mesmo de casos, em média três novos casos por dia, quando antes [início de outubro] não tinha nenhum.

P.- Existe hoje uma preocupação menor quanto aos óbitos?
DU- Sim, sem dúvida. O que estamos vendo são formas clínicas mais leves. Eu não vi, nessas últimas três semanas na minha clínica particular, nenhum caso que necessitou de internação em UTI.

P.- Qual o perfil dos novos casos? As pessoas estão vacinadas?
DU- Eu vejo dois perfis. Um de pessoas com mais de 70 anos ou mais de 80 que já receberam as quatro doses, mas não tiveram Covid em nenhum outro momento e estão agora se infectando. Isso é curioso. O outro perfil é predominantemente de pessoas que não têm o esquema completo de vacinas, sejam duas ou três doses. Lembrando que no estado de São Paulo isso representa 17 milhões de pessoas, incluindo as crianças, que só liberou a vacinação agora.

P.- Tendo em vista esse cenário, o sr. acha que todas as pessoas, independentemente da idade, deveriam voltar a usar máscaras?
DU- Acredito que as populações vulneráveis têm que usar -pessoas com comorbidades, pessoas com mais idade, com esquema completo ou não, na minha opinião, têm que usar máscara. Agora, os mais jovens precisam atualizar a vacinação. Eu vejo muitas pessoas que não completaram o esquema.

P.- Como o sr. enxerga o alcance do reforço nos mais jovens?
DU- Eu tenho visto muita resistência em todas as faixas etárias, é inacreditável. Tanto para a 3ª dose (primeiro reforço) quanto para 4ª (segundo reforço). Você questiona e essas pessoas tomaram as duas primeiras, mas agora têm medo da vacina. Eu falo: mas você já se vacinou, e elas não querem tomar a 3ª ou a 4ª dose. Não dá para entender.

P.- O sr. vai continuar na secretaria no próximo ano? Caso sim, prevê a compra das vacinas bivalentes, atualizadas contra a ômicron?
DU- Não vou continuar no governo, mas por mim isso deveria já estar sendo comprado hoje. São duas coisas que precisam ser feitas o mais rapidamente possível: providenciar as vacinas bivalentes e a compra de antivirais. Os antivirais que são até por via oral são extremamente necessários [para evitar casos graves]. Eu vou inclusive falar com o ministro [Marcelo Queiroga, da Saúde] porque, na minha leitura, isso precisa ser feito imediatamente.

P.- E por que o governo de São Paulo não as comprou de forma independente?
DU- Nós já conversamos sobre isso [na secretaria] e amanhã tenho uma reunião com o governador para tratar disso. Mas, veja bem, a política pública de compra de insumos é do governo federal. Segundo o pacto federativo, o governo compra, os estados treinam e distribuem e os municípios aplicam. Mas, por conta dos últimos dados, e o governador está ciente disso, eu vou falar com ele sobre a possibilidade de o estado de São Paulo comprar antivirais.

Raio-X

David Everson Uip, 70
Formado em medicina pela Faculdade de Medicina do ABC (atual Centro Universitário FMABC) com especialização (mestrado e doutorado) em moléstias infecciosas e parasitárias pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Foi reitor do Centro Universitário FMABC e coordenador do comitê científico de combate à Covid do governo João Doria. Atualmente é secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do governo de São Paulo.

Redação JC: