Pai que perdeu esposa para covid conta desafios de criar filhas e neta

Mais de meio milhão de famílias, somente no Brasil, encontram-se, nesse momento, em algum grau de luto e sofrimento pela perda de entes queridos para a covid-19. Entre os mortos pela doença, muitos eram mães e pais, boa parte tendo partido precocemente, deixando viúvos, filhos, noras, genros e netos sem grandes referenciais, em termos sentimentais e mesmo financeiros.

Ao menos 130.363 crianças brasileiras de até 17 anos ficaram órfãs por causa da doença entre março do ano passado e o final de abril deste ano, número que contradiz a ideia de que os mais novos são menos afetados pelo coronavírus – estimativa publicada mês passado na revista científica Lancet.

Em termos absolutos, o número do Brasil só não é pior que o do México, que registra pouco mais de 141 mil órfãos. Embora o Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente afirme que contabilizar os órfãos brasileiros é viável por meio das certidões de óbito, não há estatísticas oficiais no país até agora.

A pesquisa também mostra que as crianças que perderam o pai são pelo menos o dobro das que perderam a mãe – no caso do Brasil, foi mais que o triplo: 88 mil ficaram órfãos de pai, contra 26 mil que perderam a mãe; cerca de 17 mil viram morrer avós responsáveis por sua criação, estima a pesquisa.

Há três destinos possíveis para menores brasileiros que perdem seus responsáveis: o amparo de parentes, a reorganização familiar em que irmãos mais velhos assumem o cuidado dos mais novos ou abrigos e adoção.

Em Rio Claro

Embora não existam dados locais precisos, na cidade também há casos de famílias que perderam pessoas que, por sua vez, deixaram filhos e outros parentes à mercê de dificuldades de toda ordem. Para os homens com filhos que, viúvos, estão diante do desafio de buscar forças e seguir amparando a família, esse Dia dos Pais, comemorado neste domingo (8), é especialmente marcante. O JC foi ouvir uma história que mistura dor, sofrimento e muito aprendizado.

O motoboy Rogerio Henrique Leite, de 40 anos, morador no São Caetano, se divide entre a alegria de ver os filhos crescerem e a dor de ter perdido a esposa, Luciana Cano Lopes Leite, de 42 anos, por sequelas do coronavírus. O casal estava junto havia 15 anos.

Leite conta que a esposa passou mal e decidiu a levar até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Cervezão. Lá, após medição, os médicos constataram coma diabético. Luciana foi transferida para o PSMI (Pronto Socorro Municipal Integrado) e, depois, para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva) da Santa Casa. No local, após exame de raio-x, ela também foi diagnosticada com pneumonia e precisou ser entubada, mas não resistiu e morreu horas depois. Então, veio o drama de contar aos filhos sobre a partida. Foram necessários três dias para ele criar coragem de falar com a mais nova.

“Para a pequena demorei uns dias para contar e não a levei no enterro. Temos um costume na família que, quando alguém morre, falamos que a pessoa vira estrelinha. Hoje ela olha pro céu e fala: ‘papai, a mamãe tá lá em cima olhando por nós’. A Luciana foi embora rápido demais. A saudade vai ficar para sempre e só vai aumentar. Ela foi a pessoa que mais acreditou em mim e aos poucos fomos à batalha juntos. Só aprendi a vencer ao lado dela”, relata o pai.

O motoboy explica como tem feito com a rotina, já que agora tem que lidar com a responsabilidade de criar os filhos sozinhos e se dividir entre o trabalho na rua e as atividades de casa. Ele afirma que agora é pai e mãe para a pequena Beatriz, de 6 anos, a Rayane, de 20, e sua neta, a Isabelly, de apenas 2 meses.

“Todos os filhos gostam de ter a mãe por perto. Mas elas me ajudam, reconhecem. Eu não tive pai, mas sempre quis ser um pai amoroso. Vou honrar o nome da minha esposa para continuar cuidando das meninas. Dou banho na Beatriz, troco, dou atenção, brinco com ela, dou todo um suporte para a Raiyane, colaborando no papel de ser mãe e tendo cuidados especiais com a recém-chegada, a Isabelly, dando banhos e cuidando. Esse é o meu papel. Honrar minha esposa e mãe das minhas filhas para que sejam boas mulheres”, diz.

O motoboy ressalta que a nova realidade é um aprendizado constante, mas o que conforta o seu coração é perceber que as filhas reconhecem o esforço que  ele está fazendo diante das dificuldades do luto. A pequena Bia, quando nota que o pai cai em prantos [como pode ser visto no canal do JC no Youtube], trata de abraçá-lo e consolá-lo. “Eu amo o meu pai”.

Já a filha Rayane diz que sente muito a falta da mãe e que não imaginaria a vida sem ela, mas como quis o destino, agora ela busca se reerguer com ajuda de Rogerio. “Ele é tudo para mim. Um grande exemplo. Tudo que me ensinou e ensina, vale muito. Prometo que vou dar muito orgulho para ele. Ele vai cuidando de nós e a gente dele”, explica.

A história de Rogerio é apenas um dos infinitos relatos que demonstram tudo o que a pandemia tirou, de brasileiros e de pessoas do mundo todo. Contudo, há uma luz no fim do túnel. Desde janeiro, o Brasil começou a vacinar a população, o que pode trazer o fim da pandemia, em breve. Enquanto isso, a esperança é que o próximo Dia dos Pais possa ser comemorado de verdade.

Carla Hummel: