‘Peguei a doença fazendo o que amo’, escreveu médico de 32 anos antes de morrer de Covid-19

KATNA BARAN E FERNANDA CANOFRE – CURITIBA, PR E BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS)

“Peguei essa doença fazendo o que amo, cuidando dos meus pacientes com amor e dedicação. Faria tudo outra vez”.

A mensagem foi publicada pelo médico Lucas Pires Augusto, 32, às 18h51 do dia 27 de julho, pouco antes de ser encaminhado à UTI para tratar a infecção pelo novo coronavírus, em Maringá, norte do Paraná.

Lucas não tinha comorbidades, segundo a família, e morreu 12 dias depois, no último sábado (8), véspera do Dia dos Pais. Ele deixou a mulher, Camila, e dois filhos: Benjamin, 2, e Isabella, que recém havia completado dois meses de vida. Ele estava internado dede o dia 20 de julho, primeiro dia em sentiu sintomas da doença.

Durante sua residência em neurologia na USP de Ribeirão Preto, Lucas fez parte da equipe responsável pela cirurgia de separação das gêmeas siamesas, Maria Ysabelle e Maria Ysadora, que nasceram unidas pelas cabeças, em 2018.

Ele foi o segundo da equipe a morrer pela Covid-19. O primeiro foi o médico norte-americano James Goodrich, em março.

“Ele era uma pessoa fácil de trabalhar, de fácil trato. Como profissional, era excelente, era o melhor da geração dele, muito estudioso, muito habilidoso”, diz Hélio Machado, professor e médico que coordenou a cirurgia das gêmeas.

“Tenho ouvido muitas pessoas o chamando de herói. Ele é um herói, mas queríamos menos heróis caídos no Brasil”, disse à reportagem a irmã do médico, Gabriela Pires Augusto Pinto.”Isso aconteceria se as pessoas tivessem levando mais à sério a doença. A vida dele foi incrível, muito intensa, parecida que ele sabia que não teria muitos anos”, completou.

Lucas trabalhava na área de neurologia no Instituto de Saúde Bom Jesus, em Ivaiporã, cidade vizinha à Maringá. A irmã conta que o médico desconfiava ter sido contaminado com o novo coronavírus após ter contato com doentes. Ele ajudou a tratar pacientes que apresentavam sequelas neurológicas da contaminação.

“Ele era muito cuidadoso [com as medidas preventivas], tão cuidadoso que estava sempre falando da importância delas com todo mundo da família, desmentindo fake news, explicando por A mais B porque algumas coisas que falavam sobre a pandemia não eram verdades”, diz Gabriela.

Criado em Cataguases (MG), Lucas se formou em medicina pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) em 2013. Prestou serviço militar voluntário entre 2014 e 2015, como oficial temporário, trabalhando como médico na Força Aérea Brasileira.

Colega dele na residência, o médico Pedro Chaves, 28, diz que os dois se tornaram amigos nos cinco anos de convivência em Ribeirão. Lucas a concluiu em fevereiro deste ano. Pedro diz que o amigo era sério, educado, discreto e segurava bem a rotina puxada de cirurgias que enfrentavam.

Membro de uma Igreja batista reformada, ele também era um homem de muita fé. Na publicação que viralizou nas redes, ele citou um trecho da Bíblia, de Romanos, capítulo 8, versículo 28 e escreveu: “Sei que meu Deus é soberano sobre todas as coisas”.

“Ele passou por uma morte lenta, dolorosa, isolada, mas não negou a fé em Deus, da última vez que conseguimos falar, ele pediu que cantássemos um salmo”, conta a irmã Gabriela.

No início do ano, Lucas recebeu a notícia de que fora aprovado para uma bolsa de estudos na Flórida, nos Estados Unidos, e ia realizar seu sonho de trabalhar no país. Os planos foram adiados justamente pelos impactos da pandemia.

“Lucas estava vivendo os preparativos de um grande sonho, resultado de anos de dedicação aos estudos e grande satisfação pessoal com sua família, principalmente com a chegada de sua filhinha”, diz o amigo Pedro.

Com o sonho adiado, Lucas resolveu aceitar uma proposta de emprego na área de neurologia em Ivaiporã. A escolha também se deu pela proximidade de Maringá, onde moram familiares da esposa do médico que poderiam auxiliar nos cuidados com a filha mais nova do casal.

Em uma nota publicada nas redes sociais, assinada por chefes de neurologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, o hospital lamentou a morte precoce do médico. “Infelizmente, o Dr. Lucas nos deixou precocemente, mais uma vítima da doença Covid-19 adquirida no nobre exercício da profissão”, diz o texto.

O Conselho de Medicina do Paraná (CRM-PR) também se manifestou por meio de nota, exaltando uma mensagem que uma colega de faculdade de Lucas, a médica Valéria Scavasine, deixou para os filhos dele.

“O pai de vocês foi para outra dimensão hoje, ficar mais pertinho de Deus. Ele deixa o plano terreno como um herói. Nunca se esqueçam disso: por amor à profissão, ele perdeu a própria vida cuidando de outras vidas”, escreveu a profissional.

A turma de medicina da qual Pires fez parte se reuniu para juntar fundos para o tratamento do colega.

“Hoje, nesse dia 8 de agosto de 2020, vocês ganham 88 padrinhos e madrinhas. Nossa turma da faculdade sempre foi polêmica, briguenta, mas, nesse momento de dor, uniu-se por uma causa”, contou a médica aos filhos do colega.

Lucas foi o oitavo médico a morrer no Paraná devido a Covid-19. Três deles estavam na linha de frente de enfrentamento da doença. “Ele deixou uma mensagem bonita, mas num cenário extremamente triste”, lamentou o secretário do CRM-PR, Luiz Ernesto Pujol.

Redação JC: