“Minha mãe contou que, quando eu tinha 5 ou 6 anos, ela não aguentava mais perder sapatilha, porque eu desgastava todo o solado, a ponta dela, rodopiando pela casa. Foi aí que ela percebeu ‘essa menina precisa dançar’”, relata a dançarina e pesquisadora Adnã Ionara Maria Alves, de 25 anos. Graduada e mestranda pela Unicamp, ela ouviu o relato da mãe ao realizar um inventário de memórias durante sua graduação na área.
Criada em uma família festiva, em que a música fazia parte do dia a dia, Adnã começou a estudar balé por volta dos 7 anos, mas só por volta dos 12 anos iniciou os questionamentos que a levariam ao aprofundamento e pesquisa. Negra, sem as mesmas condições financeiras de suas colegas e sem atender ao padrão corporal comumente associado a certos estilos como, por exemplo, balé clássico, ela passou a se interessar pelas danças de origem africana e hoje sua pesquisa está direcionada para as danças negras e principalmente ligação entre dança e memória.
Nesta segunda-feira (29), é celebrado o Dia Internacional da Dança, mas há muitos motivos para se preocupar com o segmento, segundo ela: “A gente começa a ver com o tempo que bailarino, coreógrafo e grupo ligados à dança, para além da leitura artística, são pessoas que sobrevivem”, analisa. Embora pontue que sempre foi difícil ser artista no Brasil, o meio está ainda mais desvalorizado: “Está sufocado e sufocante, já tem esse sucateamento ligado às artes – porque as pessoas gostam de celebridade, não gostam de artista – então não tem prestígio, não é visto como uma necessidade humana”, aponta.
E em nada ajuda o atual clima de estrangulamento de políticas públicas e ações de fomento a todos os setores artísticos do país.
Mas a pesquisadora reforça a impossibilidade da vida sem a dança e outras formas de arte: “É uma necessidade – a gente já faz arte como um estratégia de sobrevivência. Sendo negro, então, passa a ser uma necessidade, estudar, comunicar, se entender, entender o outro, entender o coletivo”, afirma.
Inspirações
Adnã cita como as maiores e primeiras inspirações da dança em sua vida não companhias e artistas renomadas, mas sim sua mãe (já falecida) e a avó: “Também minhas ancestrais, mulheres negras; a professora Inaicyra Falcão dos Santos, única negra no departamento de dança; a bailarina e pesquisadora Luciane Santos, os grupos Capulanas e a Cia. Treme Terra”, finaliza.