Piora da crise hídrica impacta planos de empresas e ameaça economia até 2022

LEONARDO VIECELI
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) –

A sequência de impactos negativos da seca prolongada é mais do que uma ameaça para a economia brasileira em 2021. Os efeitos da crise hídrica ganharam força nos últimos meses e, segundo analistas, também representam um desafio para a atividade econômica em 2022.
A falta de chuva prejudica a produção na agropecuária, eleva custos na indústria, pressiona a inflação e, assim, atinge o consumo das famílias.
Se não bastasse isso, uma parte dos analistas demonstra preocupação com os riscos de racionamento obrigatório de energia elétrica e eventuais apagões devido à seca.]
O alerta com os impactos da falta de chuva ficou mais forte após a divulgação, na quarta-feira (1º), do PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre deste ano. O recuo de 0,1% no indicador já refletiu, em parte, os prejuízos do clima adverso.
Nos últimos meses, a seca prejudicou lavouras e obrigou o acionamento de usinas térmicas no país, que têm custos maiores para geração de energia. Com isso, além dos alimentos, a conta de luz também ficou mais cara, pressionando a inflação.
Em 12 meses, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) se aproximou de dois dígitos. A variação no acumulado até julho foi de 8,99%.
Os preços em patamar alto, em um ambiente de desemprego acentuado e renda fragilizada, abalam o consumo das famílias, que ficou estagnado no segundo trimestre de 2021. Ou seja, a variação foi nula (0%) frente aos três meses iniciais de 2021.
Com a inflação alta, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) passou a aumentar a taxa básica de juros, a Selic. Os juros mais altos, além de afetarem o consumo, dificultam investimentos produtivos nas empresas, destaca Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating.
“Os agentes econômicos ficam mais cautelosos, e isso gera pressão para o próximo ano”, diz Agostini.
Em relatório de agosto, a gestora de investimentos Rio Bravo sublinhou que “a crise hídrica não é um risco somente para a inflação, mas também para o crescimento econômico em 2022”.
O economista João Leal, da Rio Bravo, salienta que um eventual racionamento traria uma série de reflexos negativos para a atividade. “É um risco não desprezível. A situação não é positiva, e não vemos um sinal tão forte de melhora no curto prazo”, aponta Leal.
Até agora, o governo federal aposta na redução do consumo de energia de forma voluntária entre clientes residenciais e comerciais no país.
Em evento nesta sexta-feira (3), Luiz Eduardo Barata, ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), chamou atenção para as dificuldades existentes no cenário hídrico e energético. Segundo ele, “as medidas para mitigação dos riscos têm demorado e têm sido tímidas”.
“Os especialistas que têm acompanhado estudos reconhecem que, a cada mês que passa, a cada dia que passa, nossos riscos aumentam. O que temos visto é um aumento do consumo, em vez de redução. A previsão de chegarmos aos meses de outubro e novembro sem condição de atender a todo o consumo é real e bastante grande”, afirmou Barata no evento online de negócios Scoop Day.
O Paraná é um dos locais mais abalados pelo baixo nível de chuvas. No começo de agosto, o governo local resolveu estender para todo o estado a situação de emergência hídrica, que até então era válida apenas para a Grande Curitiba e a região Sudoeste.
A medida autoriza o rodízio no abastecimento de água -ou seja, a mescla entre períodos de abastecimento e de suspensão do serviço. Na quinta-feira (2), o governo do Paraná informou em nota que a forte estiagem “ainda não dá sinais de trégua”.
Por ora, o principal impacto da seca para as indústrias do estado é o aumento nos custos com energia, relata João Arthur Mohr, gerente de Assuntos Estratégicos da Fiep (Federação das Indústrias do Estado do Paraná).
Segundo ele, como forma de precaução, parte do setor já começa a fazer estudos para alterar horários de operações se houver necessidade nos próximos meses. Na prática, em caso de nova piora na crise hídrica, as indústrias poderiam realizar processos produtivos que demandam mais energia em períodos do dia nos quais o consumo de luz é menor.
Por enquanto,a pressão de custos por si só já traz uma grande preocupação, diz Mohr. “O aumento da energia afeta a competitividade das empresas”, define.
Pesquisa recente da CNI (Confederação Nacional da Indústria) indicou que nove em cada dez empresários do setor industrial no país relatam preocupação com a escassez de chuva.
Diante desse quadro, a procura por geradores elétricos dobrou em 2021, se comparada a 2020, relata José Velloso, presidente-executivo da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos).
Velloso reconhece que a crise hídrica acende o alerta na indústria em razão do aumento nos custos produtivos. Ele, entretanto, não vê neste momento grandes riscos de racionamento forçado ou apagões nos próximos meses.
“É lógico que, sem chuva até o final do ano, o cenário pioraria em 2022”, menciona.
Roberto Leverone é um dos empresários industriais que estudam fazer adaptações em sua fábrica devido aos riscos energéticos.
Diretor de uma empresa com negócios nos setores têxtil e de brinquedos, em Magé (RJ), Leverone avalia a instalação de placas para uso de energia solar na fábrica. Contudo, diz que os custos são altos, e isso pesa em um momento no qual a economia ainda tenta se recuperar.
“Um investimento assim teria de estar mais acessível para as empresas”, afirma Leverone, que é presidente da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) Caxias e Região.
Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados (Associação Brasileira das Indústrias de Calçados), também relata que a crise hídrica começa a impactar os negócios devido ao aumento nos custos.
Segundo ele, em caso de necessidade, empresas do segmento também avaliam adotar medidas como alterações nos turnos de trabalho, para “fugir” de horários de pico de consumo de luz.
“São estudos no momento”, conta.
Fernando Pimentel, presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), destaca que a pressão da energia mais cara pode gerar reflexos nos preços para o consumidor.
“Os desdobramentos não se restringem a 2021, se projetam nos preços para o ano que vem”, analisa Pimentel, que ainda não enxerga uma possibilidade de “racionamento clássico”, como o de 2001.
Na agropecuária, as perdas devido à seca foram agravadas em parte das lavouras pelo registro de geadas em junho e julho nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
Esse é o caso da cana-de-açúcar. Devido ao clima adverso, a moagem nas usinas do Centro-Sul deve cair de 12% a 13%, para o patamar de 530 milhões de toneladas, indica a Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). A projeção significa 75 milhões de toneladas a menos na comparação com a safra 2020/2021.
“Após as geadas, a alternativa é fazer a colheita da cana o mais rápido possível, para que se perca menos”, ressalta Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da Unica.
As perdas em lavouras diversas já afetaram a produção da indústria nacional, que caiu 1,3%, em termos gerais, em julho, apontou divulgação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na quinta-feira (2).
Com o impacto das dificuldades climáticas, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) reduziu a projeção de alta do PIB da agropecuária neste ano, de 2,6% para 1,7%. Ao divulgar a revisão, no último dia 26, o instituto chamou atenção para os efeitos negativos do La Niña em 2021.
O fenômeno é visto como um dos motivos da crise hídrica porque afeta a distribuição de chuvas. No Brasil, o La Niña costuma provocar estiagem no Centro-Sul.
Café e milho também estão entre as culturas abaladas pela seca. Com a menor oferta, os preços subiram no campo. O café arábica, por exemplo, acumula disparada de cerca de 80% em relação ao final do ano passado, apontam dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).
A inflação mais alta, acompanhada por aumento nos juros e crise política, causa temor no mercado financeiro. Em relatório, a consultoria MB Associados relatou preocupação com o cenário brasileiro em 2022. Na visão da MB, há uma “desaceleração contratada da economia ano que vem pelos descaminhos que o governo tem tomado este ano”.
“A conjunção de crise hídrica com elevação forte dos juros causa sensação de estagflação iminente”, apontou a consultoria. A estagflação é conhecida como um fenômeno que combina fraqueza econômica e preços em alta.
Analistas do mercado consultados pelo Boletim Focus, do BC, esperam avanço de 2% no PIB brasileiro de 2022. Contudo, já há estimativas abaixo desse nível. O Itaú Unibanco, por exemplo, baixou em agosto sua projeção, de 2% para 1,5%.

Redação JC: