Folhapress/ Leonardo Vieceli

Após dois anos em queda, a produção industrial brasileira voltou a crescer, com alta de 3,9% no acumulado de 2021, informou nesta quarta-feira (2) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O resultado, porém, é associado em grande parte a uma base de comparação fragilizada. Em 2020, ano inicial da pandemia, o indicador havia amargado tombo de 4,5%, após queda de 1,1% em 2019.

Mesmo com o resultado positivo no acumulado de 2021, o maior desde 2010 (10,2%), a produção das fábricas não conseguiu recuperar o patamar pré-coronavírus.

Em dezembro, ficou em nível 0,9% inferior ao de fevereiro de 2020. Também está 17,7% abaixo do recorde, verificado em maio de 2011.

No recorte mensal, a produção industrial subiu 2,9% em dezembro, na comparação com novembro de 2021, apontou o IBGE. A alta veio após estagnação (0%) no mês anterior, que interrompeu a sequência de cinco quedas do indicador.

O desempenho de dezembro surpreendeu o mercado financeiro. Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam avanço de 1,6% frente a novembro.

André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE, disse que o crescimento traz uma sinalização positiva para o setor industrial. O resultado, entretanto, também está bastante associado a uma base de comparação fragilizada, avaliou o técnico.

Nesta quarta, o IBGE informou ainda que, em relação a dezembro de 2020, a produção das fábricas caiu 5%. esse recorte, as estimativas de analistas sinalizavam retração maior, de 5,9%.

Macedo lembrou que, mesmo com a alta acumulada em 2021, a indústria passou a dar indícios de perda de fôlego no decorrer do ano.

“Em 2021, houve uma característica decrescente ao longo do ano, uma vez que houve ganho acumulado de 13% no primeiro semestre, e, posteriormente, o setor industrial mostrou redução de fôlego”, disse.

No segundo semestre, a produção recuou 3,4%. “Os resultados positivos dos primeiros meses do ano tinham relação com uma base de comparação muito depreciada, já que em 2020 houve perdas bastante intensas para a indústria”, indicou Macedo.

No acumulado dos 12 meses de 2021, a produção das fábricas teve resultados positivos em 18 das 26 atividades investigadas pelo IBGE. Os destaques vieram de veículos automotores, reboques e carrocerias (20,3%), máquinas e equipamentos (24,1%) e metalurgia (15,4%).

“É um ano em que a indústria cresce sobre um período de muita perda. Essa também é uma característica da atividade de veículos automotores, que, em 2020, teve acumulado no ano de -27,9%”, disse Macedo.

Para o economista Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), o crescimento da produção em 2021 significa um simples “efeito estatístico” depois de dois anos de queda.

Ele sublinha que o setor já vinha em dificuldades antes da pandemia. De acordo com o IBGE, a produção industrial caiu em seis dos últimos dez anos no país.

“O crescimento de 3,9% tem de ser analisado nesse contexto”, diz Cagnin.

“A reação passa pela retomada de reformas e pela conscientização de que, além de enxergar os problemas do passado, o país também precisa olhar para o futuro e as transformações tecnológicas do mundo”, acrescenta.

GARGALOS

A escassez de insumos ainda é apontada como um problema que atinge parte das fábricas. A falta de componentes é associada à pandemia, que desalinhou cadeias produtivas globais. Montadoras de veículos, por exemplo, chegaram a paralisar linhas de produção devido ao quadro.

A falta de insumos tem sido acompanhada pelo aumento de preços. Em 2021, a inflação de mercadorias usadas pela indústria acumulou alta de 28,39%, de acordo com o IPP (Índice de Preços ao Produtor).

O avanço foi o maior já registrado na série histórica, iniciada em 2014. O IPP, outro indicador do IBGE, mede a variação dos preços na porta de entrada das fábricas, sem o efeito de impostos e fretes.

Analistas consideram que a escalada da inflação para o consumidor brasileiro e a renda do trabalho em queda também representam um obstáculo para a recuperação industrial. Em conjunto, os dois fatores dificultam a compra de bens por parte das famílias.

“Há os reflexos da pandemia no processo produtivo, como encarecimento dos custos de produção e falta de matérias-primas, e, também, pelo lado da demanda doméstica, inflação em patamares mais elevados e mercado de trabalho que, embora tenha mostrado algum grau de recuperação, ainda é muito caracterizado pela precarização das condições de emprego, com salários menores”, pontuou Macedo.

Na comparação com novembro, a expansão de 2,9% da indústria geral foi puxada pela produção de veículos automotores, reboques e carrocerias. O segmento subiu 12,2% em dezembro. Foi o quarto mês consecutivo de crescimento -período com ganho acumulado de 17,4%.

Outra contribuição em dezembro veio da atividade de produtos alimentícios, que subiu 2,9%. O avanço se deve, principalmente, à produção de açúcar e à volta da exportação de carne bovina para a China, diz o IBGE.

Na avaliação de Macedo, ainda é prematuro avaliar se a alta mensal representa ou não o início de uma reversão das perdas na produção industrial.

Conforme o economista João Leal, da Rio Bravo Investimentos, após a divulgação do dado de dezembro das fábricas, é possível projetar PIB (Produto Interno Bruto) com avanço de 0,2% a 0,3% no quarto trimestre de 2021. A estimativa atual da casa, que deve ser revisada nos próximos dias, é de variação menor, de 0,1%.

Porém, Leal diz que o cenário para a indústria e a economia como um todo continua complicado.

“O começo de 2022 deve ter problemas de oferta, com lockdown na China e fechamento de alguns portos. Além disso, ainda há os efeitos sobre a demanda, com inflação elevada e recuperação do mercado de trabalho marcada por salários mais baixos”, analisa.

RISCOS EM 2022

Na visão de economistas, a produção industrial tende a andar de lado neste ano, com crescimento um pouco acima de zero no acumulado até dezembro.

A incerteza do período eleitoral, o risco de novas variantes do coronavírus, que podem impactar a produção de insumos no mundo, e a pressão inflacionária estão entre as principais ameaças de 2022, aponta Rafael Cagnin, do Iedi.
“O cenário não é muito favorável. Devemos ter PIB estagnado, com inflação elevada, renda fragilizada e juros altos. Isso compromete o desempenho da indústria.”

João Leal, da Rio Bravo, tem avaliação semelhante. “Teremos efeito da inflação ainda elevada e o impacto dos juros. Então, o cenário não é positivo”, conclui.

A maior parte das atividades industriais ainda está abaixo do pré-pandemia no país. Em dezembro de 2021, 16 das 26 pesquisadas operavam em patamar inferior ao de fevereiro de 2020.

A mais distante do pré-crise é manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos. A atividade estava 24,9% abaixo do pré-pandemia. Na sequência, aparecem móveis e artigos do vestuário, distantes 17,8% e 16,9% de fevereiro de 2020.

A indústria extrativa é a única que está no mesmo nível do pré-pandemia. As outras nove atividades analisadas estão acima. Nesse caso, o destaque vai para produção de máquinas e equipamentos, que operava, em dezembro, 16,5% acima do pré-crise.

De acordo com André Macedo, do IBGE, a venda de bens voltados para o setor agrícola puxou o resultado positivo do segmento. Também houve estímulo à produção de equipamentos para a construção civil, disse o analista.

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