LAURA MATTOS- SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O plano de reabrir todas as escolas do estado de São Paulo simultaneamente poderá ser alterado para o de abertura regionalizada. A informação foi dada à reportagem pelo secretário da Educação, Rossieli Soares, 41, em entrevista nesta quinta (25).
Na véspera, ele e o governador João Doria (PSDB) anunciaram o cronograma de volta às aulas presenciais, teoricamente, em 8 de setembro.
O programa, entretanto, determina que a reabertura só acontecerá se todas as regiões do estado permanecerem por 28 dias na fase amarela, terceiro estágio da retomada. Hoje, todas estão aquém.
À reportagem, Rossieli admitiu que, se eventualmente todas as regiões atingirem a fase amarela e uma delas regredir ao longo dos 28 dias, pode-se avaliar a abertura regionalizada, se a equipe de Saúde autorizar.
O secretário, que passou 15 dias internado com Covid-19 em junho, citou a queda de braço pela reabertura e a tendência de aprovação automática.
Pergunta – Como foi enfrentar a Covid-19?
Rossieli Soares – Comecei com tosse leve e cansaço. Achava que era estresse. Vieram febre e dor no corpo. Fui para o hospital e já fui internado. No dia seguinte, piorou estratosfericamente. É muito difícil, ficamos isolados, sem acompanhante.
Sou diabético, meu risco é mais elevado. Quase uma semana depois, tive uma crise respiratória e me mandaram para a UTI. Foi um susto. Na UTI acertaram o tratamento, fisioterapia e medicamentos, e melhorei, até ter alta [dia 17]. Ainda sinto cansaço, o pulmão não está totalmente recuperado, mas estou melhor.
A doença influenciou suas decisões em relação à reabertura das escolas?
RS – Lógico que influencia, não tenho como separar o que passei, que não desejo a ninguém, das minhas decisões. Mas a decisão não é só minha, mas uma discussão com comitês da Saúde. A data não é o mais importante no processo, e sim a clareza de dois ciclos inteiros no amarelo no estado todo, de uma efetiva saída da pandemia.
Imaginar todas as cidades de São Paulo no mesmo estágio, o amarelo, por 28 dias, dá certa impressão de que não haverá de fato volta às aulas presencias neste ano.
RS – São todas as regiões de Saúde, não todas as cidades. A região é a média das cidades, pode haver alguma cidade que não esteja no amarelo. Mas não podemos fazer abertura regionalizada porque há muita circulação de alunos entre as cidades.
Existe uma teia de contatos, a criança tem contato com o irmão que faz faculdade fora, o pai, que trabalha em outra cidade. São 32% da população que voltam a circular, seria a última barreira do isolamento. Além disso, fechamos ao mesmo tempo as escolas em todo o estado, há uma questão de equidade.
Pode-se questionar se não teria sido melhor ter fechado regionalmente.
RS – Há quem diga que poderia ter havido “lockdown” [política de confinamento mais restritiva] logo no início. Há especialista para qualquer tese. Temos em São Paulo um grupo de altíssimo nível tomando decisões.
Em relação à disparidade, ela está dada nacionalmente. Há cidade em Mato Grosso, por exemplo, que já voltou ao ensino presencial no início de maio. Tomamos uma decisão dentro do nosso estado, não posso comparar com outros.
Faz sentido sacrificar todo o estado se uma única região regredir? Não seria mais lógico pensar em um processo localizado de recuperação?
RS – Se a área da Saúde permitir isso, pode ser. Entendo sua questão sobre uma região parar o estado. Se chegarmos a isso, eventualmente trataremos como uma exceção e tomaremos uma decisão baseada nisso. Mas hoje a regra e o esforço precisam ser o da busca da melhoria geral, para avançar com segurança.
A pressão é muito maior pela não reabertura. Só quem quer reabrir é parte dos pais trabalhadores e escolas privadas, que não estão olhando para a saúde, estão preocupadas, é legítimo, com a situação econômica. Estamos preocupados com a situação econômica, os pais trabalhadores, a aprendizagem, mas não volto sem a Saúde dizer quando.
Especulava-se sobre a possibilidade de se ter datas diferentes para públicas e privadas, que argumentam ter mais condições de adotar protocolos de segurança.
RS – Não aceito esse discurso. A única possibilidade de discussão real é a regionalização. Abrir para a privada primeiro seria uma desigualdade ainda maior do que a que já existe, é inaceitável. A escola do rico pode abrir, a do pobre, não?
Há escolas particulares que atendem classes C e D argumentando que os pais tiveram de voltar ao trabalho e não têm onde deixar as crianças.
RS – Tenho 3,5 milhões de alunos passando por isso na rede estadual, muito mais do que eles. Acordo e durmo pensando em quantas mães têm que trabalhar e não têm com quem deixar os filhos.
Entendo que possa haver uma volta anterior da educação infantil [fora da alçada do estado] em razão disso, ainda que haja forte reação contrária. É preciso discutir na sociedade. Quando chegarmos ao amarelo, o debate vai crescer, e a gente vai estar pronto para, se a Saúde disser que há condições, rediscutir a volta da educação infantil, concentrando nas mães que trabalham.
Há estudos apontando que crianças até oito anos têm baixas chances de se contaminar, mas nada que garanta que seja assim.
A revista Nature publicou um estudo matemático que mostra que as crianças e jovens de até 20 anos têm metade da chance de se contaminar do que quem tem mais de 20, e a suscetibilidade em relação ao vírus cresce com a idade. Isso explicaria por que a mortalidade é maior em países com populações mais idosas e também o fato de o fechamento das escolas não ter freado o avanço nos países.
RS – É um estudo quantitativo. Quando falamos com médicos, dizem que é um bom indício, mas querem saber por que a criança tem menos chance de pegar e se de fato tem menos chance de transmitir. Há muito estudo saindo, um deles aponta que não houve surto em escola. É um sinal interessante, mas não podemos nos basear em alguns estudos. Imagine eu na entrevista coletiva dizendo que iria reabrir porque vi esse estudo na Nature.
A Nature fala para mim, para você, para meia dúzia de médicos, mas não para a mãe que está em casa e diz: “Não vou mandar meu filho para a escola para morrer”. Para o professor que tem medo de ir trabalhar e morrer.
Ainda que as pesquisas sejam recentes, se o governo considera apenas o risco de contágio, e não o econômico, é difícil entender por que shoppings, por exemplo, já possam funcionar, se é arriscado abrir as escolas. Claro que isso não é uma determinação do sr., mas gera dúvida na sociedade sobre o que de fato mobiliza as decisões da retomada.
RS – Vamos olhar para trás para a pergunta não ficar enviesada: O que fechou primeiro?
Todos fecharam no mesmo dia.
RS – Não. Dia 13/3 decidimos fechar escolas e anunciamos que seria a partir do dia 23.
Mas nesse mesmo dia 23 os shoppings também foram fechados.
RS – Mas na semana anterior já não havia nem 10% dos alunos na escola. A decisão de fechar shopping foi posterior.
As escolas terão autonomia para se adequar à regra da volta com 35% dos alunos? Podem colocar 35% de todas as turmas, todos os dias, ou intercalar dias da semana ou escolher algumas para retornar antes e deixar outras ainda no ensino remoto?
RS – Existe autonomia para a rede municipal e para as privadas. O que a escola precisa ter claro é que, se tem capacidade para 1.000 alunos, poderá receber 350. A rede estadual está trabalhando com a hipótese de que todos irão pelo menos uma vez por semana.
Há escolas particulares dizendo que, por terem área extensa, com espaços abertos, conseguirão receber 100% dos alunos mantendo a distância mínima.
RS – A abertura acontece de acordo com a capacidade física da escola, medida por número de alunos em sala. Essa capacidade já está determinada, não há como mudar.
As escolas não poderão transformar outros espaços em salas de aula, como quadras?
RS – Não é assim que funciona. Não posso dizer que minha capacidade magicamente foi quintuplicada. Vai ter que aprovar na Vigilância Sanitária, no Bombeiro etc. E é para ter educação física, mantido o distanciamento. É mais aconselhável usar a quadra para isso do que para matemática. As crianças e jovens estão confinados, é absurdo pensar que a quadra poderia virar sala de aula.
Há tendência de aprovação automática dos alunos neste ano?
RS – Quando retornarmos, teremos que dar plenas condições para que os alunos recuperem conteúdos. Algumas prefeituras já falam em aprovação automática e nós estamos estudando o que fazer. Quanto mais para frente for a reabertura, mais difícil será dar avaliações aos alunos.
O que o sr. achou de a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de SP) ter ameaçado greve por considerar precipitado voltar em setembro?
RS – Absurdo. Se faltassem cinco dias… mas são dois meses. É uma ameaça no mínimo desnecessária. A presidente do sindicato [deputada estadual Maria Izabel Noronha, do PT] estava reunida comigo ontem [horas antes do anúncio do plano] discutindo o cronograma. Eles falam o que quiserem, mas deveríamos ter mais responsabilidade nesse processo.