Tamoyo é resistência, educação e cultura

Jornal Cidade traz uma entrevista com a diretora sociocultural, Janaina Cristina, e o presidente Paulo Martins, sobre a retomada do local, suas atividades e a busca pela valorização das memórias da comunidade negra de Rio Claro.

Espaço cultural Tamoyo celebra retomada das atividades e reforça importância de lembrar do passado para projetar o futuro da população negra de Rio Claro

O dia 20 de novembro, celebrado nesta semana, marca a importância de se valorizar e engrandecer a luta da população negra por maior reconhecimento e direitos igualitários. Em Rio Claro, os grupos ligados a essa comunidade tiveram importante papel na construção político-social do município ao longo das décadas. Conforme registros do próprio Arquivo Público e Histórico, ao final da década de 1930 e início da década de 1945 que esse movimento tomou forma e começou a buscar seu espaço na sociedade rio-clarense.

Dentro deste contexto está o Tamoyo. ‘Tamoio’ vem do tupi ‘tamuia’, que significa ancião. Segundo os dados históricos, foi em 1957, na administração do então prefeito Augusto Schmidt Filho, que a Prefeitura foi autorizada a ceder terrenos às associações negras Tamoio Futebol Clube (um time fundado e formado exclusivamente por negros, fundado em 1951) e Sociedade Beneficente José do Patrocínio, por meio da Lei nº 567, de 21 dezembro de 1957.

O então Tamoio, com ‘i’, havia criado a escola de samba Cacique do Samba, que era referência naquela década a partir do seu então cordão (bloco) carnavalesco e passou a desfilar como escola oficialmente a partir de 1957. A partir da doação do terreno, o Tamoio iniciou a construção da sua sede na esquina da Rua 13 com Avenida 23. Somente uma década depois que ela começou a ficar pronta.

Cada tijolo foi comprado pelas próprias famílias de pessoas negras/pretas, com uma ajuda ou outra da Prefeitura no madeiramento, conforme depoimentos no artigo “Movimento Negro em Rio Claro: demandas históricas por espaço, respeito e poder”, publicado na revista do Arquivo Público por Flávia Alessandra de Souza Pereira, doutora em Sociologia, que entrevistou Jair Francisco, Leoneta de Lourdes Andrade Francisco e Osvaldo Araujo, todos que ajudaram na construção do prédio.

Antes mesmo que ficasse pronta a sede, seus representantes realizaram uma série de atividades para a coletividade negra, como Baile das Flores e Baile do Ipê, sempre realizados em maio e agosto, respectivamente. O local recebia políticos, como o então prefeito Augusto Schmidit Filho, vereadores, imprensa, entre outros. Depois, se tornou Associação Beneficente Cultural e Recreativa Tamoyo. O salão, inaugurado em 1967, passou a ser palco de inúmeras festas voltadas para a celebração da cultura negra em Rio Claro. Dona Olga Maurício Mendonça, ícone da comunidade, chegou a relatar o grande sucesso dos eventos do Tamoyo em documentário do projeto Memória Viva, disponível em vídeo no QR Code nesta reportagem.

Em busca de relembrar essa longa história de décadas, a nova diretoria do Tamoyo foi anunciada este ano. E o Jornal Cidade traz uma entrevista com a diretora sociocultural, Janaina Cristina, e o presidente Paulo Martins, sobre a retomada do local, suas atividades e a busca pela valorização das memórias da comunidade negra de Rio Claro.

Como foi a retomada do Tamoyo?

Janaína Cristina: “Assumimos o espaço em maio deste ano, que estava parado. Quando recebi a proposta do Paulo em vir ajudar, falei que devíamos resgatar o clube, sua finalidade, por que ele nasceu. Ficou meio sem identidade. Formamos a nova diretoria e passamos a oferecer as atividades constantes, de segunda e quarta a capoeira, de terça-feira o samba de gafieira e samba rock. Temos também o tambu, uma dança e cultura afrobrasileira, aos sábados. E além disso temos feito eventos, esperávamos um retorno, mas não sabíamos que seria tão rápido.

A retomada foi propositalmente no dia 13 de maio, para retomar a história do clube, trazer essas informações para a comunidade, como ele foi construído e como estava para projetarmos o futuro. Tivemos várias palestras, como da Unegro, do próprio tambu, de letramento racial. Depois veio o projeto Samba é Samba e Vice-Versa, uma atividade de samba com cunho cultural já na quarta edição. Tivemos o samba rock, que se tornou patrimônio estadual, também o passinho/baile charme, e traremos outras culturas.

Precisamos resgatar a consciência e as pessoas se tornarem pertencentes da história. Os dois clubes negros de Rio Claro, o Patrô e o Tamoyo, surgiram de resistência pelo fato de os negros não conseguirem frequentar outros espaços, nem mesmo a calçada da Rua 1. Essa é a história de Rio Claro. Foi muita luta, e estava abandonado na sua história.

O 20 de Novembro é importante no entender o processo e começar a ser projetado de uma outra forma. Hoje as pessoas não são pertencentes. Temos descendentes de pessoas que nem sabiam que fizeram parte daqui. A vivência da prática ao longo do ano enfraquece, então temos que viver isso de fato. Aqui, conta a história, era do lado da cidade onde só haviam pretos. Só a educação transforma, se a gente não contar a história ninguém vai contar”.

Qual a importância do Tamoyo para Rio Claro?

Paulo Martins: “A importância deste clube vem ressaltar a resistência do negro na cidade. Foi através da resistência do negro, na década de 50, que resolveram arrumar um espaço para que eles pudessem se divertir. Retomar, revitalizar esse espaço é a mesma coisa que trazer a consciência dos nossos ancestrais e antepassados que construíram aqui. Trazer de novo aquela vontade deles de ter as famílias negras reunidas, onde podem se divertir com alegria, satisfação e fomentar todo tipo de cultura negra.

Está sendo muito satisfatório. Buscando nossas raízes, o povo negro está gostando e participando. Os mais jovens estão vindo e conhecendo aqui, está sendo interessante. Para nós, mais antigos, é uma satisfação. Vamos transformar este espaço, estamos com um projeto para um museu, onde vamos trazer todo acervo desde quando foi fundado até hoje. A comunidade pode ajudar participando dos eventos, fazendo doações ou no quadro de sócios.

Não dá para caminhar à frente sem saber de onde viemos. Precisamos de onde você veio, o que você quer para depois caminhar. É essa consciência que queremos trazer para nosso povo. Para a diretoria do Tamoyo a Consciência Negra (data) não é só a festividade em si, mas todo o cunho cultural por trás nas festas. Trazemos festividades, com parte cultura e conhecimento para que isso não se apague”.

Em 2010, um documentário do Kino-Olho foi produzido para mostrar a história do Tamoyo. O material integra o projeto Memória Viva, do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. Dona Olga Maurício Mendonça, que retratou a origem do clube como uma alternativa de resistência ao preconceito sofrido pelos negros na cidade, e com o olhar de Kizie de Paula Aguiar sobre a importância do espaço para os adolescentes e jovens negros.

Lucas Calore: