Antonio Archangelo
Renomado advogado e ex-diretor da Câmara Municipal, Djair Cláudio Francisco foi o convidado especial do Jornal Cidade para discorrer sobre o Dia da Consciência Negra. Confira:
JC – Consciência Negra existe?
Djair – Poderia ser melhor. Mas esta consciência existe quando nasce de dentro para fora e percebo que, via de regra, se trabalha esta questão de fora para dentro. A maior consciência que o negro deve ter é que ele pode, que ele consegue, deve ser menor a preocupação de convencer os outros de que sou igual. Eu sei que sou igual, mas eu preciso acreditar nisso. Sem a necessidade de esperar de alguém uma mão estendida, um afago, um abraço de que sou capaz, que minha capacidade intelectiva e profissional é tão boa e profícua como de qualquer outra pessoa diferente da minha etnia ou raça. A maior consciência negra nasce de dentro para fora, do interior do pensamento, é do autocrédito do negro que a consciência atinge sua plenitude.
JC – A desigualdade étnica prejudica a busca por esta igualdade que mencionou acima?
Djair – A questão do “poder” está muito mais vinculada à condição social do que racial. Eu atribuo a este poder a capacidade de reagir muito mais pela condição social. Você também depara com pessoas pobres brancas. Eu defendo a ideia de que o negro pode tanto quanto outras pessoas. As dificuldades por que o negro passa é muito mais de caráter social e de pobreza, comparável à necessidade de outras pessoas não negras que vivem pobres e miseráveis. Eu atribuo estas dificuldades às condições de pobreza, às condições sociais. Eu vivi as mesmas dificuldades dos meus amigos pobres brancos. Não houve uma situação de preconceito a impedir meu sucesso. A mesma condição de pobreza que eles viveram eu vivi. Não posso dizer que minha condição de ser negro me impediu de enxergar acima deste muro. As pessoas têm que enxergar além das dificuldades.
JC – Qual é este muro?
Djair – É um muro étnico criado na mente de muitos negros, como na mente do meu pai, quando soube da minha intenção de cursar uma faculdade. Eu trabalhava na ferrovia e, para ele, eu já estava com a vida ganha. Ele criou todas as dificuldades quando entrei na faculdade. É esta raiz de consentimento que cria este muro. Eu pulei este muro!
JC – Como mudar esta realidade?
Djair – Educação, não existe outra maneira. Como eu pego aquele negrinho com olho branquinho retinto, lá do Parque São Jorge, e pergunto o que ele quer ser. Eu acredito que a desigualdade nunca vai acabar, mas a educação é única forma que encontro de enfrentar. Eu incuto isso todo dia em meus filhos. Quando falo de Educação, falo do ensino público. Uma educação emancipadora na formação do ensino básico, ensino médio, depois buscarmos uma faculdade e se colocar no mercado e trabalhar para que as oportunidades aconteçam. Estamos desde 1888 falando: somos assim, a sociedade não nos quer, a sociedade nos trata com caráter discriminatório. Mas e aí? O que você vai fazer? Eu não me vitimizo. Eu posso!
JC – Cotas raciais, como o senhor vê?
Djair – O objetivo das cotas é indenizar a falta de oportunidade. Mas a questão das cotas foi submetida até ao processo levado ao Supremo Tribunal Federal e o Supremo deu pela constitucionalidade. As cotas nasceram nos EUA nos idos de 1960. Lá, se eu entrasse num ambiente como esse, eu entraria após sua saída, geralmente para limpar. A cota racial é eu pegar uma tabela de basquete, montar um time de seis jogadores, um deles nanicos, e pedir aos outros para abaixar a tabela para facilitar a cesta. As cotas beneficiam o negro de classe média que poderia entrar sem a necessidade delas. Então a reparação que se pretende fazer está pensando apenas no meio do caminho, e não está sendo pensado no início e no final do caminho. Eu não entendo que estas cotas raciais (me perdoem os que pensam ao contrário) resolvem o problema. Em 2007, a Suprema Corte dos EUA aboliu as cotas, ao chegar à conclusão de que as cotas discriminavam mais do que os efeitos conseguidos através delas.