EMERSON VOLTARE – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Oito meses depois das aulas na rede estadual de ensino paulista entrarem em quarentena por conta da pandemia do novo coronavírus, o governo de João Doria (PSDB) oferece algum tipo de incentivo para que seus professores aprimorem a conexão com o mundo virtual.

Trata-se do programa “professor conectado” ou “computador do professor”, criado por decreto publicado no último dia 7 de outubro. Nele, a secretaria de Educação oferece subsídio para compra de um desktop, notebook ou tablet novo em no máximo R$ 2.000, a ser reembolsado pelo governo em até 24 parcelas mensais.

Segundo especialistas na área de produtos de informática ouvidos pela Folha, dificilmente se encontra um bom equipamento de entrada por esse valor. Entre os básicos mais procurados no mercado, o notebook Samsung Flash F30, por exemplo, custa em média R$ 2.300.

Se quiser um processador um pouco mais decente, mas longe do de última geração, outra opção é o modelo de entrada Lenovo IdeaPad S145, ainda com Intel Core i3 – os mais avançados já estão na geração 9. Os mais baratos estão na faixa de R$ 3.000.

“Dá para comprar um Chromebook [basicamente um notebook mais barato e mais simples] ou um tablet”, diz Vitor Knobl Moneo, 27, coordenador do projeto. Segundo ele, foram reservados R$ 300 milhões para o programa.

Mas o que também tem deixado desconfiado parte dos docentes paulista são as contrapartidas draconianas que terão de cumprir para garantir a devolução do investimento feito.

“Perderá o direito ao recebimento da parcela mensal do subsídio o docente que, no mês de referência: cometer falta injustificada; deixar de lançar notas e frequência no diário digital; não cumprir a carga horária mínima de 2 horas mensais complementares às horas de Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC).”

O artigo 9º do Decreto nº 65.231, de 7 de outubro de 2020 reforça ainda que, em caso de exoneração, demissão, dispensa, aposentadoria, afastamento ou falecimento, o pagamento também será cessado.

Um drama para a grande massa de professores temporários da rede, quase em 60 mil dos 160 mil hoje em sala de aula. Como são precarizados e dependem de abertura ou fechamento de novas salas de aula, não têm garantia de trabalho a partir da atribuição do próximo ano.

Mas nem só os professores mais jovens e não efetivados desconfiam desse pacote de bondade tardio do governo paulista. A professora de filosofia Monica Fonseca Wexell Severo, 47, há 12 anos na rede, disse que precisa renovar seus equipamentos, que já estão lentos, sem espaço e que mal conseguem acompanhar a demanda exigida pela secretaria.

“Mas não sei se assumirei essa ‘dívida’ com o Estado. Preciso de um novo smartphone, já que o meu atual não tem espaço para baixar novos aplicativos. Além do valor limitado, a secretaria não se compromete completamente com o reembolso.”

A desconfiança de Severo vem do parágrafo 2 do artigo 6º do decreto: “a concessão do benefício tem natureza de liberalidade, não importando obrigação futura para a secretaria da Educação, que poderá cessar os pagamentos a qualquer momento”.

Questionada pela jornal Folha de S. Paulo, a secretaria disse que alterou este trecho, que agora diz: “Parágrafo único
– Resolução da Secretaria da Educação disporá sobre os critérios de elegibilidade para o subsídio que será concedido na medida dos recursos disponíveis”.

A ausência da possibilidade de compra de telefone no programa também desapontou a professora de língua portuguesa Vanessa Gimenez da Silva, 46, que dá aulas em Quatá (490 km a oeste da capital paulista). “Acho válida toda tentativa de incentivo, mas precisamos de bons smartphones para acompanhar reuniões, cursos e aulas online. Hoje é uma ferramenta indispensável para o nosso trabalho”, diz a profissional, que está há 26 anos na rede paulista.

Segundo o governo, o aparelho celular não entrou no programa por conta da vedação expressa na Lei nº 173 de 27 de maio de 2020, que estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, uma lei complementar e emergencial para conter gastos públicos durante o período de enfrentamento à Covid-19.

Se não há previsão para incentivo à compra de telefones, existe um projeto, de R$ 70 milhões, para compra de pacotes de internet para celular. “A ideia é distribuir 750 mil chips aos alunos e 250 mil aos servidores da rede”, conta Moneo. Também ressalta que, dentro do ambiente do centro de mídias da educação paulista, o usuário não precisa gastar com internet, por conta de uma política de patrocínio de dados de aplicativo.

Para a deputada estadual Maria Izabel Azevedo Noronha (PT), a Professora Bebel, 60, presidente da Apeoesp (sindicato dos professores do ensino oficial do estado de São Paulo), qualquer ajuda de custo é bem-vinda, ainda mais se for pela inclusão digital do magistério. Mas ela ressalta que São Paulo deveria estar na liderança dos programas tecnológicos.

“Um professor com menos de 40 aulas semanais não ganha R$ 2.000. Você obrigá-lo a comprar sua própria ferramenta de trabalho é desamparo, mesmo que haja a possibilidade de reembolso futuro. Alguns profissionais mal conseguem ter em casa um plano de internet decente.”

De acordo com a pasta do secretário Rossieli Soares, o programa tinha recebido até esta semana pouco mais 55 mil adesões, o que não significa que os que aceitaram as condições vão comprar ou renovar seus equipamentos.

O professor tem até março do ano que vem para aderir ao programa e, caso resolva comprar o equipamento, apresentar à secretaria, até o final de abril, a nota fiscal em seu nome.

Nos próximos dias, segundo o governo paulista, deve ser anunciada parceria com alguma grande rede varejista.

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