RENATO MACHADO – BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou nesta quinta (10) uma resolução que prevê autorização para uso emergencial da vacina contra a Covid-19, o que na prática dá segurança jurídica a uma medida que já estava em vigor desde a semana passada, segundo a relatora e diretora Alessandra Bastos Soares.
A diretoria colegiada da agência aprovou, por unanimidade, a resolução que prevê, em caráter experimental, a concessão das autorizações para imunizações que ainda estejam em fase de testes.
Segundo a Anvisa, nenhum laboratório solicitou a autorização para o uso emergencial até agora.
Na quarta-feira da semana passada (2), o diretor de medicamentos da agência, Gustavo Mendes, afirmou que a agência passaria a analisar pedidos para concessão de autorização de uso emergencial, para vacinas que ainda estivessem na terceira e última fase de testes clínicos. Essa é a principal diferença em relação aos registros, que são concedidos para medicamentos e imunizações que já concluíram os testes.
Mendes explicou que as vacinas com essa autorização só podem ser aplicadas em grupos específicos da população, como idosos ou profissionais da saúde, por exemplo. Não é possível vacinar em massa a população.
Além disso, as vacinas não podem ser comercializadas e devem integrar necessariamente um plano público de vacinação, o que significa que não podem ser aplicadas pela iniciativa privada.
A resolução também dá caráter legal ao guia elaborado com as normas para a concessão da autorização, com detalhes técnicos. O guia já havia sido anunciado por Mendes há uma semana.
Soares afirma em seu relatório que as autorizações serão concedidas apenas quando forem cumpridos os requisitos mínimos de segurança, qualidade e eficácia. “A autorização de uso emergencial é um mecanismo que pode facilitar a disponibilização e o uso das vacinas contra a Covid-19, ainda que não tenham sido avaliadas sob o crivo do registro”, disse.
Veja perguntas e respostas sobre o tema:
Qual o primeiro passo para obter a autorização para uso emergencial?
Os laboratórios e empresas interessados devem agendar uma reunião com a diretoria da Anvisa, na qual serão discutidos os aspectos necessários para o início do processo para obter a autorização. O passo seguinte é a submissão da documentação.
Quais são as exigências para obter uma autorização para uso emergencial?
Os laboratórios e empresas precisam inicialmente ter uma licença para produzir ou importar medicamentos da Anvisa. Além disso, as vacinas candidatas para a autorização para uso emergencial precisam estar em fase 3 de testes clínicos.
Quais vacinas estão em fase 3 de testes clínicos?
O modelo em desenvolvimento pela empresa AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford –imunizante do qual o Brasil já adquiriu 100 milhões de doses para o primeiro semestre do ano que vem–, o da chinesa Coronavac, uma parceria do laboratório Sinovac com o Instituto Butantan de São Paulo; o das americanas Pfizer e BioNTech; e o da Janssen-Cilag.
Quais critérios serão verificados pelos técnicos da agência para conceder a autorização?
Os técnicos afirmam que farão uma avaliação do risco-benefício do uso emergencial. Serão analisados basicamente quatro aspectos: eficácia e segurança; biotecnologia (monitoramento da qualidade, condições de armazenamento, prazo de validade, etc); boas práticas de fabricação; e farmacovigilância (provas de que a empresa estará comprometida em zelar pela qualidade e segurança, após a aprovação do uso emergencial).
Qual a diferença entre o registro e a autorização de uso emergencial?
O registro só é conferido pela Anvisa para uma vacina após a análise dos dados completos de estudos. Por outro lado, as autorizações de uso emergencial passarão a serem dadas para medicamentos ainda em fase experimental, quando se avalia que, em momentos de crise sanitária, os benefícios da aplicação imediata superam os riscos.
As vacinas que recebem autorização de uso emergencial podem ser aplicadas em toda a população?
Não. As empresas e laboratórios, ao darem entrada com o pedido de autorização de uso emergencial, devem restringir um público-alvo que vai receber a imunização, como, por exemplo, profissionais de saúde ou idosos. É um uso pontual e excepcional.
Por que as vacinas com autorização de uso emergencial não podem ser destinadas para o sistema privado de saúde?
Como essas vacinas ainda estão em fase experimental, elas não podem ser aplicadas em toda a população. Esse é o principal motivo pelo qual também não podem ser comercializadas, pois seria difícil rastrear toda a aplicação do imunizante. Como explicou o gerente de Medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, elas só poderão integrar um programa de governo, para que se possa ter controle. Portanto só serão usadas no SUS (Sistema Único de Saúde).
A Anvisa pode retirar a autorização de uso emergencial a qualquer momento?
Sim. A autorização de uso emergencial vai ter uma data de validade específica para cada imunizante, desde que seja durante o tempo em que durar a situação de pandemia. A agência, no entanto, informou que pode cassar essa autorização sempre que o risco superar os benefícios de seu uso, tendo como base o acompanhamento das informações. “Eventos adversos” devem ser comunicados pelas empresas para a Anvisa em um prazo de 24 horas.
O que os governos precisam fazer para adotar as vacinas emergenciais?
A princípio, o processo de obtenção da autorização envolve apenas a Anvisa e as empresas interessadas. Aos governos cabe, portanto, dialogar com os desenvolvedores das vacinas, monitorar as qualidades de cada imunização para articular a aquisição e montar planos pontuais de vacinação emergencial.
Poderá haver um calendário extra de vacinação, além do plano preliminar anunciado nesta semana pelo Ministério da Saúde, que prevê o início da imunização para março?
O ministério afirma que o plano ainda é preliminar e que a estrutura definitiva pode ser alterada, dependendo das vacinas disponibilizadas.
“Caso haja autorização emergencial da Anvisa e havendo incorporação pelo Programa Nacional de Imunizações, a estratégia é realizar a imunização de acordo com o plano”, informou o ministério.
A rede pública estaria preparada para imunizar nessa fase de uso emergencial?
Depende. A princípio, o sistema público brasileiro teria condições de montar com rapidez um plano de vacinação emergencial. O Ministério da Saúde ressalta sempre que possível que o Brasil detém o maior programa de imunização do mundo, com quase 37 mil salas de vacinação e que distribui 300 milhões de doses todos os anos para a população. No entanto, algumas imunizações, como a da Pfizer, exigem condições específicas, como o armazenamento a -70ºC. Por isso, dependendo da vacina, podem ser necessárias melhorias na estrutura.
Os custos para usar vacina de forma emergencial seriam maiores?
Depende. Se obtiver a autorização alguma vacina já contratada pelo governo brasileiro –como a da AstraZeneca/Fiocruz ou alguma que integre o consórcio Covax Facility–, o custo não deve variar tanto, talvez ocorrendo alterações pontuais no contrato para antecipar a entrega. Caso se trate de uma vacina ainda não adquirida, o governo precisaria negociar um contrato com a empresa desenvolvedora.
Em quanto tempo poderia ter início a vacinação emergencial para determinado grupo?
Difícil prever. O gerente de medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, evitou dar prazo para que, a partir do momento em que uma empresa comece o processo, a autorização seja concedida. A agência afirma que depende da qualidade e precisão dos dados apresentados. Além disso, caberia ao governo articular com a empresa a entrega das doses e montar um plano de vacinação emergencial. O Ministério da Saúde foi questionado, mas não informou quanto tempo seria necessário para planejar uma campanha emergencial de vacinação para um público determinado.