Prédio da Assembleia Legislativa de São Paulo. (Foto: Fabio Braga/Folhapress)

ANA LUIZA ALBUQUERQUE – RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Isa Penna não foi a primeira e não será a última. Assim como a deputada estadual, apalpada por um colega no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo, outras quatro deputadas federais relataram à Folha que já foram assediadas no exercício de suas funções.

As mulheres representam 15% dos integrantes da Câmara dos Deputados, composta em sua maioria por homens brancos.

No Código Penal, os fatos narrados poderiam ser enquadrados como importunação sexual, crime que prevê de um a cinco anos de reclusão.

Isa Penna (PSOL) registrou um boletim de ocorrência contra o deputado Fernando Cury (Cidadania) e também levou ao Conselho de Ética da Assembleia uma representação pedindo que ele perca o mandato.

Frequentemente, no entanto, diante do constrangimento gerado pela situação, assim como da dificuldade de obter provas do assédio, os autores não são denunciados.

Foi o que vivenciou a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), que falou à reportagem pela primeira vez sobre os assédios que sofreu.

Logo após ser eleita, a parlamentar conta que estava na Câmara quando um deputado que não conhecia a abordou. “Ele me abraçou forte e não me soltou. Fiquei super incomodada, meio que dei um empurrão nele, fiquei constrangida, e continuei”, ela diz.

Já no fim do ano passado, uma situação semelhante ocorreu. Tabata relata que estava numa confraternização entre deputados quando uma amiga precisou intervir para que um parlamentar a largasse.

“Um deputado veio, me puxou, abraçou, só que ele era bem mais alto do que eu, e eu não consegui sair. Veio uma amiga minha, começou a bater na mão dele, a gente ficou assustada e eu fui embora, chorei… Você se sente super mal, suja”, afirma.

Tabata diz que não denunciou o parlamentar porque não acreditava que ele seria responsabilizado no Conselho de Ética da Câmara. Temia, também, ser exposta e atacada caso levasse o ocorrido para a imprensa e para as redes sociais.

“É um pouco frustrante porque eu sou autora e relatora de vários projetos que falam sobre o combate ao assédio, e sobre a importância de a pessoa denunciar e criar essa cultura. Sendo sincera, [não denunciei] porque sei que não vai dar em absolutamente nada. Estou me matando há dois anos para aprovar o Fundeb. Será que vale a pena esse mal estar? Ser descredibilizada por um assédio que sofri? Toda a rede que vão mobilizar para me chamar de mentirosa, me xingar ainda mais? A gente quer passar por mais uma violência? Não.”

Tabata afirma que nem sequer questionou os deputados sobre os episódios. “Já estive com esses parlamentares outras vezes e é como se nada [tivesse acontecido]. Você sente raiva, nojo, não tem vontade de interagir, mas engole. Bom dia, boa tarde”, diz.

A parlamentar afirma que toma algumas precauções para evitar o assédio no exercício do mandato. Diz que não marca reuniões em casa, nem vai à casa dos colegas. Não usa roupas curtas, decotadas, ou apertadas. Mas relata que até o batom vermelho foi alvo de um deputado.

“Um deputado perguntou quem eu queria provocar com aquele batom vermelho. Você fica completamente constrangida, mas é importante continuar usando e mostrar que é sobre mim, sobre a minha luta”, diz.

Já a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), que foi candidata à Prefeitura de São Paulo nas últimas eleições, conta que um parlamentar da direita a assediou na última terça-feira (15), durante uma confraternização caseira entre deputados, após sessão do Congresso.

Ela diz que estava dançando com colegas quando o deputado a abordou. “Ele chegou por trás, segurou o meu braço, que ficou roxo, e encostou o corpo dele no meu. A famosa encoxada”, relata.

A deputada afirma que, como reação, se virou e bateu no rosto do parlamentar. “Eu não tive dúvida, nem sabia quem era. Virei e bati com o dorso da mão no rosto dele.”

Joice diz que usava um anel que cortou o rosto do deputado, que deixou o local envergonhado. Também afirma que recebeu apoio das mulheres e dos homens que estavam no evento.

“Eu sou uma mulher reativa, é o meu perfil. Agora você imagina quem se sente mais frágil. Bati nele, e faria de novo”, diz.

Segundo ela, o colega se desculpou, e a parlamentar decidiu que não formalizaria uma denúncia. “Toda vez que ele se olhar no espelho vai ver a marca no rosto, porque vai ficar uma cicatriz. Esse é o maior castigo. Acho que vai pensar dez vezes antes de tomar uma atitude semelhante”, afirma.

Joice não quis identificar o deputado. Ela disse que o parlamentar passou por um processo de humilhação (“aqui em Brasília já virou um assunto, todo mundo falou nisso”), e que já teve sua punição.

A deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG), que concorreu à Prefeitura de Belo Horizonte, também conta um assédio que sofreu. Ela relata que estava na reunião de uma comissão quando um colega sentou-se ao seu lado e começou a conversar sobre o assunto que estava em pauta.

De repente, a deputada narra, ele colocou a mão na sua coxa. Ela então retirou sua mão e disse que o parlamentar “não poderia fazer isso”.

“Ele falou ‘mas isso o quê?’ Eu disse ‘colocar a mão no meu corpo desse jeito’. Ele falou ‘nossa, que isso, nem percebi que fiz isso'”, afirma.

A reação do deputado é o que o movimento feminista chama de “gaslighting” -um tipo de manipulação psicológica com o objetivo de distorcer a realidade a favor do abusador.

“A estratégia sempre vem assim: ‘que isso, eu não fiz isso, você não entendeu’. Mesmo com a filmagem do que aconteceu com a Isa Penna, o deputado teve o desplante de ir à tribuna dizer que estava só abraçando.

Tudo documentado e ele reverte a narrativa dessa forma. Imagina se não tivesse sido filmado”, diz a deputada.

Foi o caso da própria Áurea. Sem testemunhas e sem filmagens, a deputada avaliou que não valeria formalizar uma denúncia contra o colega. Segundo ela, seria o confronto da sua palavra contra a dele.

“O desgaste é tão grande… Isso não vem à tona porque é muito cansativo enfrentar as reações que vão tentar desqualificar, e nos colocar nessa posição de louca, ‘está querendo aparecer, fazer disso um fato político’. Já vi colegas do centrão serem assediadas, passando a mão na bunda. Não é uma coisa que façam questão de esconder.”

A parlamentar afirma que o assédio tem como autores deputados de todos os campos ideológicos, da direita à esquerda.

“É um assédio que, por acontecer num espaço político institucional, serve para nos intimidar, para nos fazer recuar, fazer nos sentirmos acuadas.

Tem um caráter político de interdição, de limitação da presença das mulheres nos espaços de poder”, diz.

A deputada federal Clarissa Garotinho (PROS-RJ), que foi candidata à Prefeitura do Rio de Janeiro, é outra parlamentar que adota algumas medidas para tentar fugir do assédio. Ela conta que, quando tem uma reunião a dois no gabinete, deixa as portas e as persianas abertas ou convida algum assessor para participar.

“Se a gente sabe que vive num meio que já tem esse comportamento completamente sem noção, além de extremamente agressivo, prefiro deixar sempre muito claro que não dou espaço para nenhum tipo de liberdade”, diz.

Com frequência, no entanto, as precauções tomadas pelas mulheres não dão conta de barrar o machismo. “É claro que nem sempre isso é suficiente, como a deputada de São Paulo. Ela não fez nada, não deu espaço, liberdade para nada, e mesmo assim o cara foi extremamente agressivo, assediou, inclusive na frente de todo o mundo”, diz.

Clarissa afirma que já passou por uma situação menos grave do que a enfrentada por Isa Penna, mas que a deixou constrangida e desconcertada.

Ela diz que, aos 25 anos, durante o seu primeiro mandato como vereadora no Rio, foi pedir o apoio de um colega para a aprovação de um projeto de lei.

“Estou explicando, explicando, e vendo que ele não está dando a mínima. Aí terminei e falei: ‘posso contar com o seu apoio?’. Ele virou e disse assim: ‘sabia que seus olhos são lindos?'”

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