Eles nunca trabalharam tanto. Enquanto quase tudo parou, foram eles que fizeram o Brasil andar. E acelerando. A profissão que muitas vezes era vista como marginalizada, se tornou essencial. Na ‘Reportagem da Semana’ deste domingo (4), o Jornal Cidade vai mostrar a rotina dos motoboys, motogirls e entregadores de aplicativos durante a pandemia da covid-19 e as dificuldades do ‘corre’ encontradas a cada esquina.
Trânsito intenso, aumento de carga horária e baixa remuneração. ‘Trampar’ mais e ganhar menos é a nova realidade para esses profissionais, seja por conta da alta demanda das entregas ou pela necessidade dos comércios e de aplicativos de delivery em reduzir despesas por conta da crise, que ficou ainda pior com a pandemia.
Na maioria dos casos, cabe a eles arcarem com combustível e manutenção, além da compra da mochila de entrega, que não é oferecida pela maioria das empresas. E o pior, sem direitos essenciais: plano de saúde, aposentadoria, folgas em fins de semana e feriados e muito menos férias.
Dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) mostram que, após o início do período pandêmico, o número de entregadores cresceu 3,5% em todo o Brasil e a maioria deles (56,8%) está na informalidade.
Em Rio Claro, é só sair pelas ruas que é fácil perceber a presença dos entregadores que ficam à espera de uma chamada. Os dados da Associação dos Motofretes Profissionais mostram esse aumento. Na ‘Cidade Azul’ eles são mais de dois mil. Antes da pandemia, o número chegava a mil. Ou seja, um aumento de 100%.
Ademir Silverio, de 40 anos, é motoboy há 19. Quando quase ninguém estava nas ruas, ele continuou trabalhando para levar comida para casa e sustentar a esposa Jaqueline Macedo Silverio, de 34 anos, grávida de sete meses, e os filhos: Ana Beatriz Silverio, de 20 anos e Nicolas Silvério, de 12.
“Motoboy precisa ser mais valorizado em vários aspectos. Muitos veículos aqui não dão preferência e ainda dirigem com o braço para fora. Na ultrapassagem, eles [motoristas] nos fecham. Um perigo. Outro ponto é o dinheiro. Motoboy é que nem um caminhoneiro. Se parar, para tudo. Entregamos comida, peças de veículos, medicamentos. Não somos bem recompensados por isso. Também estamos na linha de frente e correndo risco para lá e para cá”, desabafou ele ao Jornal Cidade.
A crise desencadeada no início da quarentena aumentou a concorrência e empurrou para o trânsito mão de obra com pouca experiência e habilidade sobre duas rodas. A mudança no perfil da profissão também preocupa Ademir. “Dias atrás perdemos, por irresponsabilidade de uns, que acabaram de chegar [na profissão], vagas num estacionamento. Agora, temos que parar a moto bem distante desse centro de compras para poder fazer uma entrega”, comentou.
Em março, ele foi infectado pelo novo coronavírus e precisou ficar internado por 30 dias na Santa Casa do município. Ademir passou nove dias entubado. A esposa fala num milagre. “Não poder falar com ele nesse tempo foi terrível. Eu perdi o chão. Eu não vivi durante esses trinta dias. Só fui levando”, disse.
A família, católica, se apegou na oração para continuar batalhando. Segundo Jaqueline, foi em Deus que conseguiu forças para não desistir. “A gente rezava o ‘terço da misericórdia’ duas vezes ao dia. Os médicos diziam que se eu acreditava em Deus, era hora de me agarrar. Incrivelmente, depois de tanto pedir, o Ademir acordou no domingo de páscoa, no dia da ressurreição”, contou.
Depois do quadro ficar estável, o motoboy voltou para casa, ainda com sequelas. Precisou ficar um tempo isolado se recuperando. “Tudo o que eu tinha que fazer, dependia deles. Não conseguia tomar banho sozinho, nem trocar de roupa. Fiquei na cadeira de rodas por dias”, relatou ele.
Dois meses depois ele voltou ao trabalho. O cenário trouxe novas dificuldades: Ademir não vai mais para casa almoçar com medo de pegar de novo o vírus e infectar a família. A refeição acaba sendo na rua. Ele disse que é difícil achar um local para comer e se higienizar para isso. “Só quero chegar, colocar minha roupa para lavar e correr tomar banho. A saúde deles [família] é essencial para mim”, disse.
A jornada de Ademir é puxada. Ele contou à reportagem que, com a informalidade, quem para, perde. Ou seja, enquanto ele se ausentou por problemas de saúde, os cadastros dele nos aplicativos ficaram lá embaixo. Ou seja, a corrida demora mais a aparecer.
O reflexo disso é sentido no bolso. Antes da pandemia ele fazia 20 corridas. Agora faz em média quatro. Ademir fechava a semana com R$ 1.200. Hoje em dia, com R$ 400. Para ajudar com a renda, Jaqueline voltou a fazer pães e bolos em casa para vender. O cardápio está disponível no Instagram: @jaquepaesebolos. Para encomendar é só ligar ou mandar mensagem pelo WhatsApp no 1997166-1541.
Com três filhos, Vanessa também enfrenta pandemia em cima da moto
É cada vez mais comum uma mulher buzinar em casa e fazer entregas. Segundo o Detran SP, cerca de 2,5 milhões de mulheres possuem habilitação para conduzir motocicletas.
Ainda segundo os dados, elas representam 25% do total de motociclistas no Estado de São Paulo e buscam ganhar cada vez mais espaço. No país, o número de mulheres motociclistas cresceu 96% em nove anos. Os dados são da Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares). Até novembro do ano passado eram 7,8 milhões, enquanto em 2011 elas somavam 4 milhões de carteiras de habilitação na categoria A.
A rio-clarense Vanessa Kelly dos Santos da Silva, de 37 anos, vive a rotina todos os dias. Ela é motogirl há 17 anos. É com essa renda que sustenta os três filhos. “O desafio maior de ser motogirl é o trânsito, que está cada vez mais complicado”, explicou.
Ela também falou sobre a categoria trabalhar muito e ganhar cada vez menos. “É preciso ter um salário digno. Se a empresa der a moto, seria ótimo. Pagar o salário em dia com os 30%, que é de lei. Tudo isso seria maravilhoso”, afirmou.
Para Vanessa, as dificuldades aumentaram com a pandemia. “A atenção deve ser redobrada agora. Fico preocupada, pois estamos na rua atendendo a todos. Fazemos o possível com as medidas de higiene e segurança para nos proteger. E também uma coisa essencial: a fé em Deus”, finalizou.