RENATA MOURA NATAL, RN (FOLHAPRESS) – “Procura-se alguém que provoque frio na barriga, para amor verdadeiro ou encontro sem compromisso”. “Confirmar voto ou aversão a Lula – ou, de acordo com o perfil – a Jair Bolsonaro, é também pré-requisito para acender ou esfriar o clima”.

Às vésperas de uma eleição carregada de polarização no Brasil, desejos e marcas políticas como essas aparecem, cheios de variações, em páginas de relacionamentos em que o “match perfeito” depende, cada vez mais, do apoio ou rejeição aos dois candidatos mais bem posicionados nas pesquisas.

“Não namoro Lulista”, “Namorar Bolsonarista, não”, e beijar ou sair com quem apoia um ou o outro “seria um nojo”, são exemplos de como o comportamento se manifesta -e tem acendido o alerta de especialistas.

O movimento que se alastra em redes sociais e aplicativos de relacionamento seria reflexo da politização da sociedade e de mais polarização política, observa José Mauro Nunes, doutor em psicologia e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).

“Nós vemos um fenômeno de politização da internet muito forte no Brasil desde 2013 [quando eclodiram grandes manifestações de rua] e isso vem se acelerando a partir da eleição de Bolsonaro em 2018, quando esse fenômeno se intensifica na sociedade a ponto de se manifestar nas escolhas afetivas, no ambiente familiar e nos relacionamentos de amizade também”, afirma.

Essa politização, observa, tem criado uma espécie de “futebolização” dos relacionamentos, quando comportamentos amorosos se assemelham ao de torcidas esportivas. Também surge, cada vez mais, o chamado “fenômeno de bolhas”, de pessoas que tendem a se aproximar e se relacionar apenas com quem tem o mesmo sistema de crenças, valores e preferências políticas.

Inserir e reforçar marcas políticas em plataformas de relacionamentos acabou virando também um mecanismo de proteção contra conteúdos tóxicos, possíveis assédios e outras investidas indesejadas.
A advogada Emelise Aires, 27, escreveu, em seu perfil: “Macho escroto nem tente! Sem mimimi de Bolsonaro”.

“É um posicionamento para demonstrar que não sou idealizadora de quem busca debates políticos em um momento de descontração”, diz. “Infelizmente, já fui abordada por pessoas que a primeira pergunta era em quem eu votaria e isso passou a incomodar bastante”.

A questão partiu de potenciais pretendentes que apoiam o atual presidente. As abordagens geraram discussões e tentativas de conversão político-partidárias, frisa Emelise. E se respondia em quem vota -informação que, em regra, prefere manter em sigilo- “parecia que um sentimento de discórdia era estabelecido”.

“Eu era tratada como inimiga, embora já tenha conversado com eleitores do candidato que respeitaram o meu posicionamento de não desejar falar sobre o tema”. Elaine Souza, criadora do Bolsolteiros, grupo do Facebook para eleitores solteiros de Bolsonaro, afirma que “há pessoas mais radicais e outras que deixam o amor falar mais alto”. Pessoalmente, conta que já namorou um eleitor do Lula, mas que hoje não namoraria. “Os valores são completamente diferentes”.

“Mas realmente existe uma enorme resistência em se relacionar com alguém que seja de esquerda. Porque, para o grupo, o que a esquerda prega é contrário ao que a direita prega”, diz. Os reflexos desse clima são percebidos de Norte a Sul do Brasil, segundo exemplos identificados pela reportagem em aplicativos de relacionamento como Tinder, Badoo e Happn, e redes sociais como Instragram, Twitter e Facebook.

Em setembro de 2020, o Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP (Universidade de São Paulo), encontrou marcas de identidade política em São Paulo, principalmente entre pessoas de esquerda, mulheres e jovens que residem fora da periferia. A pesquisa englobou 48 mil perfis de um grande aplicativo de relacionamentos.

“Nós estamos vendo no Brasil um crescimento da polarização afetiva, da hostilidade por quem adota a identidade política adversária -e tudo indica que essa hostilidade está aumentando”, diz Pablo Ortellado, um dos autores da pesquisa e coordenador do Monitor.

O pesquisador não descarta que o movimento tenha aumentado dois anos após o inicio do trabalho, e afirma que as relações afetivas com quem pensa diferente contribuem para um ambiente menos hostil.
“A partir do momento que você não convive com pessoas diferentes, a partir do momento que você nega, que acha absurdo, repulsivo ter relações afetivas com uma pessoa que pensa diferente, ou que a gente acha que pensa diferente, essa hostilidade vai se consolidando e aumentando”, complementa o professor.

Maria Goretti Nagime, idealizadora do PTinder, perfil de Instagram para relacionamento entre esquerdistas, afirma que “as pessoas não consideram votar em A ou B uma questão de gosto”, mas sim “porque existem características típicas de uma pessoa progressista e típicas de uma pessoa bolsonarista – perfil do qual buscam fugir”.

“O voto é um pré-requisito cada vez mais forte”, diz. “O que percebo na página é que as pessoas procuram o amor de verdade, uma conexão inexplicável, o frio na barriga. Mas sem admiração mútua, não acontece nem amizade, nem paquera”.

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