Folhapress/ Cláudia Collucci

 A partir deste domingo (9), as embalagens de alimentos industrializados ganharão uma nova rotulagem, com alertas sobre produtos com altos índices de açúcar adicionado, gordura saturada e sódio. Esses nutrientes estão associados ao aumento de casos de obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como as cardiovasculares, o diabetes e diversos tipos de câncer.

Dados da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) de 2019 indicam que 52% da população do país com 18 anos ou mais tinha diagnóstico de pelo menos uma DCNT em 2019. No mesmo ano, a prevalência de sobrepeso e obesidade entre os brasileiros era de 53,8%. A ideia é que, com informações mais claras e compreensíveis, as pessoas possam fazer escolhas mais saudáveis.

As alterações vão acontecer de três formas. Na parte frontal do rótulo haverá um ícone de uma lupa quando a quantidade de açúcar adicionado, gordura saturada e sódio presente em 100 g ou 100 ml for superior à estabelecida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A tabela de informação nutricional passará a ter apenas letras pretas e fundo branco para contrastar das demais cores da embalagem. Também tornam-se obrigatórias a identificação de açúcares totais e adicionados e a declaração do valor energético e nutricional por 100 g ou 100 ml do produto, para ajudar na comparação de produtos e evitar que o consumidor seja induzido a erro ou confusão.

Haverá mudança ainda nas chamadas alegações nutricionais, que são selos que apontam características positivas do alimento, por exemplo, “rico em ferro”, “light”, “livre de gordura trans”. Se o alimento tiver lupas de alertas, a alegação nutricional não poderá ocupar a parte frontal superior.

Aprovadas em 2020, as novas regras demandaram seis anos de discussões, marcados por disputas entre os representantes da indústria e os defensores dos direitos do consumidor. A indústria alimentícia pressionou para impor o seu próprio modelo de alerta nos rótulos, no formato de semáforo, com indicação de baixo, médio e alto teor dos ingredientes.

Já o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) defendia um modelo de rotulagem frontal que utilizava um triângulo, em vez da lupa.

O modelo seria uma adaptação do formato usado no Chile, o primeiro país da América a adotar novas regras na rotulagem dos alimentos em 2016. Os produtos com excesso de nutrientes que podem fazer mal à saúde levam um octógono preto como alerta.

Embora haja uma unanimidade de que a nova rotulagem representa um avanço no sentido de deixar as informações mais claras ao consumidor, existe uma preocupação sobre eventuais estratégias não saudáveis que a indústria possa adotar para “driblar” as novas regras.

Segundo Paula Johns, diretora-executiva da ACT Promoção da Saúde, para não ultrapassar a linha de corte de nutrientes nocivos e, com isso, ter que colocar a lupa de alerta na embalagem, a indústria pode adicionar outros nutrientes não saudáveis que não estão contemplados na nova norma.

Ela cita o exemplo da adição de adoçantes. “Isso aconteceu no Chile. Houve muita reformulação na indústria para baixar o nível de açúcar e ficar abaixo da necessidade de colocar advertência [no rótulo], mas combinaram aquele açúcar com edulcorante. Tem muita pegadinha.”

A nutricionista Sophie Deran, engenheira agrônoma e doutora pelo departamento de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), diz que, nesse movimento de mudanças na indústria de alimentos, não vê melhoria na qualidade dos produtos. “São cada vez mais ultraprocessados e muito uso de adoçantes. Adoçantes não são a solução para menos açúcar.”

“Nos iogurtes no Brasil, não tem fruta nos ingredientes, tem ‘preparado de fruta’ que é mais um xarope com um pouco de fruta do que polpa de fruta como colocam na Europa. Isso é uma aberração em um país tão abundante em frutas”, acrescenta ela.

João Dornellas, presidente-executivo da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), diz que a nova legislação foi muito discutida com todos os entes da sociedade e que a Anvisa se baseou em estudos científicos e experiências de outros países.

“Esses três macronutrientes [sódio, açúcar e gordura] são aqueles aos quais os consumidores mais têm que prestar atenção. O edulcorante é uma categoria de aditivos permitida pela OMS [Organização Mundial da Saúde], pela FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura], que são usados em doses muito seguras para o ser humano”, afirma.

Ele reforça que, independentemente das novas regras de rotulagem, existe um acordo firmado há uma década entre a indústria e o Ministério da Saúde para a redução voluntária dos níveis de açúcar, sódio e gordura trans. Nesse período, segundo Dornellas, foram cortadas 30 mil toneladas de sódio e 310 mil toneladas de gordura trans dos produtos industrializados.

“Por que demora dez anos? Porque é necessário para a adaptação do consumidor. Se você pega um tablete de caldo de carne e reduz o sódio em 50%, o que nós, consumidores, fazemos? Colocamos mais sal em casa.”

Sobre o açúcar, o acordo é diminuir 144 mil toneladas de açúcar sem substituição. “A ideia é ir reduzindo aos poucos para que o consumidor vá se adaptando ao sabor”, diz ele.

Os diferentes prazos de adequação para a nova rotulagem também podem confundir os consumidores, segundo Paula Johns. De acordo com a resolução da Anvisa, todos os produtos novos precisam estar adequados às novas regras a partir deste domingo. Os antigos ainda terão prazo de um ano para serem adaptados.

“Eu posso ir ao supermercado e encontrar dois pacotes de biscoitos. Um novo já estará com o rótulo nutricional frontal, com o alerta, e o outro antigo poderá estar sem. Mas não porque um desses dois biscoitos é melhor que o outro. É só porque não chegou o prazo de implementação dele.”

Dornellas, da Abia, diz que a entidade está fazendo um trabalho educativo para que o consumidor compare as embalagens, porém ressalta que os produtos são constantemente reformulados e mudados. “Durante o ano, a gente vai ver cada vez mais produtos com a presença da nova regulamentação.”

Segundo ele, a norma brasileira avança em relação à de outros países porque prevê uma análise de impacto regulatório para avaliar nos próximos anos se está cumprindo o papel para o qual foi criada.

No Chile, um estudo publicado em 2021 mostrou que houve queda de 24% na compra de produtos calóricos, de 37% daqueles com alta concentração de sódio e de 27% daqueles como grande quantidade de açúcar adicionado.

O trabalho avaliou hábitos de consumo de 2.300 famílias e comparou o ano de 2015 (período antes da norma) até o fim de 2017, quando as regras já estavam em vigor.

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