DANIELLE CASTRO
RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Quando ganhamos um presente, nosso cérebro é inundado por dopamina, serotonina, ocitocina e endorfina, neurotransmissores também conhecidos como hormônios da felicidade. É natural pensar então que a chegada do fim de ano, com a troca e doação de mimos, é também uma porta para ser feliz.
Especialistas ouvidos pela Folha, porém, afirmam que a sensação de alegria não é um estado permanente. O mais comum, aliás, é que esses episódios variem em intensidade de acordo com cada pessoa, podendo, inclusive, ser ampliados pela interação humana de qualidade durante o Natal.
“Tem vários pedacinhos do cérebro que são ativados quando você sente alegria, que é uma das nossas seis emoções básicas”, diz o psicólogo Yuri Busin, doutor em neurociência cognitiva. Assim, quando acontece uma troca de presentes, por exemplo, o tecido cerebral recebe uma enxurrada de dopamina, gerando bem-estar no corpo.
Essa sensação pode ser ampliada por gestos como abraços, fazer trabalho voluntário ou simplesmente estar em contato com pessoas, ações que atuam como ativadoras de ocitocina.
“Existem estudos que mostram que experiências são muito mais eficazes do que a presença física para promover o sentimento de felicidade e alegria, mas isso vai depender do valor que aquela pessoa atribui àquilo” afirma Busin, que é fundador da clínica online Diálogo Positivo.
Esse “valor” consiste na quantidade de emoção e conexão atribuída ao evento. “O autoconhecimento é a chave para obter momentos de alegria”, diz Busin.
O psicólogo destaca ainda que felicidade e alegria são diferentes entre si, sendo a primeira um estado mental quase impossível de atingir enquanto a segunda é fragmentada em lampejos recorrentes que proporcionam bem-estar.
Outro ponto de reflexão sobre a troca de presentes é reconhecer o que nos deixa mais alegres: dar ou receber. “A troca de presentes está inserida em nossa cultura. Muita gente tem dificuldade em relação ao recebimento de um presente. O dar é extremamente gratificante, porque você pensa no outro, mas aprender a receber também é importante para nossa vida”, reforça Busin.
A felicidade obtida quando somos presenteados está conectada ao prazer e, consequentemente, também à frustração. No entanto, quando a reação é desproporcional, a médica psiquiatra Jessica de Araujo Martani recomenda estar atento aos sentimentos internos, muitas vezes alheios à situação.
“Ganhar presentes estimula nosso mecanismo de recompensa, ativando as vias dopaminérgicas responsáveis pela nossa sensação de prazer, mas estar com nossa saúde mental em dia é a melhor maneira de saber se a frustração advém do objeto ou de alterações de humor prévias”, aponta Martani.
Martani, que é observadora do programa de neurociências da Universidade Columbia, em Nova York, diz que tristeza e isolamento durante as datas festivas podem ser indicadores de que algo não vai bem.
“Quando estamos em um humor deprimido é comum haver uma perda da sensação de prazer. Assim, independentemente do objeto recebido, há uma menor ativação das vias dopaminérgicas e, consequentemente, menor sensação de prazer”, justifica a médica.
Um simples presente também pode ajudar a reavaliar e entender a relação com a pessoa que deu o mimo ou com as circunstâncias em que isso aconteceu.
Os especialistas alertam ainda que quando a dinâmica social esvazia o significado da troca de presentes, isso não passa despercebido pelo nosso cérebro, levando a reações menos satisfatórias, ou seja, nos sentimos menos felizes do que poderíamos.
“O consumismo interfere na vida da pessoa. Perde-se o valor [do presente] e, ao tornar-se comum, não atribui mais o sentimento de alegria, de felicidade”, diz Busin.
Comprar algo por estar triste ou para se manter feliz é outra armadilha. “Em vez de resolver o problema, cria um ciclo vicioso. O efeito da compra acaba passando de forma muito rápida e não resolve o motivo real da tristeza”, afirma o psicólogo.
Uma dica, segundo Martani, é trabalhar a noção pessoal de que o preço não deve limitar o impacto de um presente em nossas vidas, uma vez que as ideias de poder e consumo são construídas.
“Inconscientemente, esses padrões socioculturais vão nos dando a normativa de beleza, o que são artigos de luxo, mas o gesto de dar e receber objetos transpassa o consumismo”, diz a médica psiquiatra.
Para ela, devemos focar o carinho e a gratidão envolvidos no gesto de ser presenteado e de presentear para atingir a felicidade de fato. “Além do valor monetário, há um simbolismo que permeia o ato em si e, muitas vezes, isso é de extremo valor, independentemente de quanto foi pago pelo objeto.”