Plenário do STF. Foto: Gustavo Moreno/STF

JOSÉ MARQUES E CONSTANÇA REZENDE, BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

Depois de nove anos de julgamento, a maioria do STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta terça-feira (25) a favor da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e por definir uma quantia para diferenciar usuário de traficante.

Com isso, já há o entendimento da corte para que isto não seja mais crime no Brasil. Porém, segue sendo um ato ilícito, ou seja, é proibido.

Todos os ministros já votaram, mas o resultado oficial do julgamento ainda vai ser proclamado nesta quarta-feira (26), segundo o presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso. Também deve ser definida qual a quantia exatamente para diferenciar usuário de traficante.

O placar ainda está pendente porque ministros divergiram sobre a interpretação da constitucionalidade ou não do artigo da Lei de Drogas que trata da maconha.

O ministro Dias Toffoli, por exemplo, havia votado na semana passada no sentido que o texto já não criminaliza o usuário e que mexer nesta lei não seria a questão.

Nesta terça-feira, porém, ele fez um adendo em seu voto e disse que, apesar desta manifestação, foi “claríssimo”, no sentido de que nenhum usuário de nenhuma droga pode ser criminalizado. Com isso, Barroso firmou o entendimento de que, por 6 votos, a maioria dos ministros é a favor da descriminalização do porte da droga.

O ministro Luiz Fux seguiu o mesmo entendimento de Toffoli de que a lei não criminaliza o usuário, mas não se posicionou claramente se era a favor da descriminalização.

Durante o seu voto, Fux citou estudos de psiquiatras e de pesquisadores que, segundo ele, mostram que “não existem drogas leves” e que elas “não mexem apenas no prazer, mas em outras áreas do cérebro, que empobrecem as pessoas”. Também citou estudos que relacionam maconha com a piora no quadro de doenças mentais, como ansiedade ou esquizofrenia.

“Peço vênia, pela minha dificuldade de superar o dissenso científico e dessa visão realista de que, sem regulação, sem atuação do Poder Legislativo, a liberação do uso da maconha vai trazer muito mais problema do que solução”, disse.

Fux também afirmou que, se houver excessos nas prisões, “que a Defensoria Pública vá a todos os presídios, peça os processos, e liberte estes presos”. “Mas, genericamente, não tenho quietude de alma para decidir isso”, declarou.

Já a ministra Cármen Lúcia votou pela inconstitucionalidade do artigo que considera crime o porte de entorpecentes para uso pessoal. Ela criticou os efeitos nocivos da punição a pessoas que são dependentes químicas e os efeitos destas prisões na superlotação de presídios.

Ao todo, votaram pela inconstitucionalidade da lei o presidente da corte e os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber (já aposentada) e Gilmar Mendes.

Em outra corrente, votaram contra a descriminalização e a favor da constitucionalidade da lei os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Kassio Nunes Marques.

Sobre a quantidade que diferencia tráfico de porte, mesmo os ministros que consideram que a lei criminaliza podem fixar a quantidade para diferenciar tráfico de porte.

Quatro ministros (Gilmar, Moraes, Cármen e Rosa) fixaram que a quantidade deve ser de 60 gramas ou seis plantas fêmeas para diferenciar usuário e traficante.

Já Zanin, Nunes Marques e Barroso defenderam que o limite seja de 25 gramas. Mendonça, Fachin, Fux e Mendonça avaliaram que cabe ao Congresso ou Executivo (Anvisa) definirem a questão e não ao Supremo. Barroso adiantou que deve propor a quantia intermediária de 40 gramas como consenso.
O presidente da corte também acrescentou que a maioria dos ministros também entendeu que o consumo pessoal ainda constitui ato ilícito, mas sem natureza penal. Por consequência, segundo o ministro, seria vedado o consumo em local público.

O ministro Alexandre de Moraes disse que o adendo de Barroso era importante, já que porte para o uso é diferente do uso e que drogas lícitas têm regulamentação. “No caso do cigarro, por exemplo, não é possível fumar tabaco em restaurantes e aviões. O álcool, em restaurantes e aviões e não pode dirigir, além de não ser possível a venda para menores de idade”, disse.

Os ministros também concordaram em determinar o descontingenciamento de valores para políticas públicas sobre o tema e por uma campanha de esclarecimento contra consumo de drogas.

O processo sobre drogas começou a ser julgado em 2015 e foi paralisado em diversas ocasiões, por pedidos de vista (mais tempo para análise) de ministros.

O relator do processo é Gilmar Mendes, que defendeu inicialmente que a medida fosse estendida para todas as drogas e argumentou que a criminalização compromete medidas de prevenção e redução de danos, além de gerar punição desproporcional.

Ano passado, no entanto, ele ajustou seu voto e o restringiu à maconha, já que era a tendência a ser formada pela maioria dos seus colegas.

Em março, quando o Supremo voltou a julgar o tema, o Congresso Nacional reagiu. O Senado, presidido por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), aprovou uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para incluir a criminalização do porte de drogas na Constituição.

O texto foi validado em abril pelos senadores, por ampla maioria, e no último dia 12 a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados aprovou a proposta.

Ao anunciar que apoiaria a PEC, Pacheco disse que uma eventual decisão do STF pela não descriminalização seria bem vista pelo Congresso. “Não concordamos, obviamente, com a desconstituição daquilo que o Congresso Nacional decidiu que deve ser crime”, afirmou, à época.

A ação no STF pede que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal e prevê penas como prestação de serviços à comunidade. Já a pena prevista para tráfico de drogas varia de 5 a 20 anos de prisão.

A lei, no entanto, não definiu qual quantidade de droga caracterizaria o uso individual, abrindo brechas para que usuários sejam enquadrados como traficantes.

ENTENDA AS DIFERENÇAS

  • Despenalizar: Conduta não deixa de ser crime, mas deixa de haver previsão de pena de prisão quando ela ocorre
  • Descriminalizar: Conduta não se torna legal, mas deixa de ser tratada como crime e pode ser objeto ou não de sanção administrativa
  • Legalizar: Conduta deixa de ser ilícito e e passa a ser regulada por lei