Agentes da Vigilância Epidemiológica orientam população durante visitas aos bairros. Foto: Divulgação/PMRC

Presença simultânea dos quatro sorotipos da dengue favorece infecções; calor e chuvas intensas contribuem para reprodução do mosquito Aedes aegypti

Em 2024, até agosto, foram notificados 6,4 milhões de casos prováveis de dengue no Brasil, sendo 5 milhões deles confirmados pelo Ministério da Saúde. O número é seis vezes maior na comparação com o do ano todo de 2023, que chegou a 1,6 milhão. Com isso, o Brasil lidera a quantidade de casos da maior epidemia de dengue da história na região das Américas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas o que explica esse aumento substancial?

De acordo com o médico infectologista e diretor de Desenvolvimento Clínico do Instituto Butantan, José Moreira, uma das principais razões para a atual epidemia é circulação simultânea dos quatro sorotipos do vírus da dengue, situação considerada atípica. “Isso significa que há introdução de genótipos novos em uma população que é suscetível a ter a doença, pois ainda não se infectou. Crianças e adolescentes que ainda não tiveram exposição aos tipos 3 ou 4, por exemplo, que não circularam nos últimos anos, ficam mais expostas e são mais suscetíveis a doença grave em infecções secundárias”, explica.

É justamente a variação genética do vírus que representa o maior problema da dengue: quando infectado por um sorotipo, o indivíduo adquire imunidade contra aquele vírus específico. No entanto, em contato com um segundo sorotipo, o paciente tem maior risco de desenvolver a doença grave, devido a uma resposta exacerbada dos anticorpos produzidos na infecção anterior.

O último Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde aponta que, em 2024, todos os estados apresentaram cocirculação dos tipos 1 e 2. Alguns locais tiveram registro dos sorotipos 1, 2 e 3, como Roraima, Pará, Amapá, Maranhão, Piauí, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Detecções do sorotipo 4 foram registradas em Goiás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.

Somado à diversidade dos vírus circulantes, o aquecimento global favorece ainda mais a proliferação do vetor da dengue, o mosquito Aedes aegypti. As temperaturas no Brasil têm ficado acima da média histórica desde a década de 1990, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). “Temos observado invernos cada vez mais quentes e recordes de temperatura no verão. Umidade e calor são determinantes para a reprodução dos vetores”, ressalta José.

O fenômeno El Niño – aquecimento anormal da superfície do Oceano Pacífico –, que impacta o Brasil desde junho de 2023, também contribui para o registro de altas temperaturas em grande parte do país. Os meses de março e abril de 2024 foram marcados por calor e chuvas intensas e concentraram o maior número de casos prováveis de dengue (1,7 milhão e 1,6 milhão, respectivamente). Somente no final de abril que o El Niño começou a entrar em fase de neutralidade, de acordo com o INMET, abrindo caminho para o La Niña (temperaturas mais frias que o normal no Pacífico).

Outro obstáculo para o combate da doença são as próprias adaptações genéticas do vetor, que dificultam o funcionamento de métodos tradicionais de prevenção, como inseticidas e larvicidas. Os mosquitos desenvolvem resistência contra esses produtos com frequência, em alterações evolutivas que podem ocorrer a cada dois anos.

“O surto que estamos vivenciando é multifatorial. A circulação dos quatro sorotipos, as mudanças climáticas, a falha das medidas de prevenção, além da urbanização descontrolada, indivíduos suscetíveis à doença e baixas condições socioeconômicas impactam diretamente na epidemia”, resume o infectologista.

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