Estadão Conteúdo
Na praça central de Santa Gertrudes, no interior de São Paulo, todos sabem o endereço dos três assuntos mais comentados na cidade: o prefeito Rogério Pascon (PTB), o ex-prefeito Valtimir Ribeirão (PMDB) e Lazaro Noé da Silva, o Gino da Farmácia (PPS). O trio, que disputou as eleições municipais de 2012, apareceu na delação de Guilherme Pamplona Paschoal, executivo da empreiteira Odebrecht.
De acordo com a delação de Paschoal, a eleição de Santa Gertrudes teria custado à empresa não mais que R$ 180 mil em caixa 2. Na ocasião, R$ 120 mil teriam ido para o candidato favorito nas pesquisas, Ribeirão (que perdeu); Pascon, o atual prefeito (reeleito), teria ficado com R$ 50 mil; e ao azarão da disputa, Gino da Farmácia, teriam sobrado R$ 10 mil.
O interesse da companhia em uma cidade de apenas 25 mil habitantes é explicado pelo próprio delator, que disse ser importante para a Odebrecht manter a concessão de água e esgoto na cidade (onde opera desde 2010, período em que o prefeito ainda era Ribeirão).
No domingo de Páscoa, apenas Gino da Farmácia não estava na cidade. Moradores disseram que, provavelmente, ele estaria na vizinha Rio Claro. Embora tenha aparecido relacionado ao menor valor de propina, Gino tem atraído as maiores críticas. “Como foi se sujar por R$ 10 mil? Todo mundo aí na política levando milhões! Por R$ 300 milhões até eu me corrompia”, disse a dona de casa Fabiana Costa, de 36 anos.
O ex-prefeito Valtimir Ribeirão estava em casa quando a reportagem bateu palmas em frente ao seu portão. Evidentemente constrangido e quase sem conseguir pronunciar qualquer palavra com clareza, Ribeirão disse nunca ter recebido ajuda da Odebrecht e jurou não saber como o nome dele foi parar em tal delação. “Não tenho nada pra dizer. Nunca ajudei a Odebrecht nem fiz caixa 2. Deve ter sido um engano”, disse. Ribeirão desejou feliz Páscoa à reportagem e fechou o portão.
Mais receptivo foi Pascon, o atual prefeito, que saiu de sua casa para atender o jornal O Estado de S. Paulo. “Estou sabendo disso tudo pela imprensa. As denúncias não têm lógica. Como prefeito, não tenho dado vida fácil para a Odebrecht. Eu barrei aumento de 120% nas contas de água e esgoto. Eles não têm motivos para me ajudar”, declarou. “Vou provar minha inocência na Justiça.”
Pascon afirma que as denúncias contra seus pares na política também são inverídicas. “Tenho certeza de que nenhum político daqui fez caixa 2 com a empresa. Nossas campanhas foram bancadas com recursos próprios. Acho que Santa Gertrudes foi citada para encobrir algum malfeito em outro lugar.”
Vilã
Nos relatos, a Odebrecht aparece como a grande vilã de Santa Gertrudes. A cidade, conhecida como maior polo de cerâmica da América Latina, sofreu com problemas de abastecimento de água até 2010 – ano em que a empresa começou a operar o sistema. “Melhorou o abastecimento, mas, de uns anos para cá, a conta de água está ficando inviável”, disse uma moradora que pediu para não ser identificada.
Com o logo da companhia impresso na conta de água e esgoto, a população tem familiaridade com “as coisas da Odebrecht”. “Quem tem um pequeno comércio acaba pagando quase R$ 200 só de água. O que eles pagam de caixa 2, eles tiram das nossas contas”, reclama João Lopes, de 42 anos.
No domingo, 16, a cidade não tinha o movimento costumeiro dos caminhões que transportam azulejos de cerâmica ou argila (causando um impacto ambiental constatado pela população e assumido pelo prefeito). Um dia para os moradores comentarem o escândalo e lamentarem a morte de um herói local, Roque Arthur, morto ano passado.
Arthur era o proprietário de um serviço de alto-falantes em Santa Gertrudes. Os aparelhos, pendurados pelos postes, eram usados para divulgar de recados a pedidos de casamento. “Os alto-falantes do Roque poderiam ficar repetindo o nome dos políticos que receberam propina e dedurar os executivos da Odebrecht”, sugeriu o comerciante Roberto Soares Silva.
Lendas eleitoreiras
Moradores afirmam que, apesar de pacata, Santa Gertrudes tem uma tradição de “quiproquó” político. O aposentado Benjamin Marigo, de 76 anos, conta sobre a vez que um candidato a prefeito teria perdido a eleição por um voto. “Perdeu porque o irmão não votou nele”, disse, sem especificar o candidato nem o ano – dependendo do interlocutor, a história se transforma na eleição em que os votos em branco foram maiores do que os do vencedor. “Hoje não tem mais isso. São todos iguais. São todos empregados da Odebrecht”, disse.
Assim como Marigo, moradores afirmam que os três citados são figuras fáceis durante as eleições. “Na campanha, eles passam em carreata, visitam as casas e ouvem a população. Depois, só recebem o pessoal da Odebrecht”, reclamou uma dona de casa que não quis se identificar porque tem parentes trabalhando na Prefeitura. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.