Unesp

A já complicada e sempre polêmica história da evolução humana acaba de ganhar uma nova versão, escrita por cientistas brasileiros. A espécie que teria saído da África pela primeira vez teria sido o Homo habilis, e não o Homo erectus; e isso teria acontecido 500 mil anos antes do que se pensava — o que permitiria explicar diversos mistérios relacionados à história dos hominídeos no Cáucaso, na China e na Indonésia.

A nova narrativa, apresentada no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), é baseada em evidências arqueológicas desenterradas pelos pesquisadores no vale do rio Zarqa, na Jordânia, próximo à capital Amã. Eles descobriram centenas de ferramentas de pedra lascada com 1,9 milhão a 2,5 milhões de anos de idade, claramente produzidas por mãos humanas.

O problema é que, segundo a teoria que predomina hoje sobre a evolução e dispersão do gênero homo (linhagem que deu origem aos seres humanos modernos), o primeiro hominídeo a deixar a África foi o Homo erectus, entre 2 milhões e 1,8 milhão de anos atrás. Então, quem teria produzido aquelas ferramentas no Oriente Médio, meio milhão de anos antes?

O trabalho não chega a cravar um nome no papel, mas o pesquisador Walter Neves tem opinião convicta sobre o assunto: “Foi o Homo habilis”, profere ele. A datação dos artefatos jordanianos foi confirmada por três técnicas diferentes, e o Homo habilis era a única espécie de hominídeo (do gênero homo) que já vagava pela África naquela época, 2,5 milhões de anos atrás. Sendo assim, é o principal e único suspeito. O nome “homem habilidoso” refere-se justamente à sua associação pioneira com a produção de utensílios de pedra lascada. “Há evidências muito claras de lascamento intencional”, disse o arqueólogo Fabio Parenti, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), um dos líderes da pesquisa, que escava na região desde a década de 1990.

Especialista em evolução humana, e popularmente conhecido como “pai da Luzia” — por conta de seu trabalho com o fóssil mineiro que se tornou símbolo do povoamento das Américas —, Neves é um dos seis autores do trabalho que foi publicado na revista Quarternary Science Reviews. Ele e Parenti assinam o estudo com o geólogo Giancarlo Scardia, da Universidade Estadual Paulista (Unesp de Rio Claro), e o geoarqueólogo Astolfo Araújo, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, além de colaboradores nos Estados Unidos e na Alemanha, que contribuíram com parte das análises.

Ceticismo

Os pesquisadores não têm dúvida de que o trabalho e suas implicações para o estudo da evolução humana serão recebidos com “muito ceticismo” pela comunidade científica internacional. “Vamos ser destroçados”, declarou Neves, com a tranquilidade de quem já está calejado nesse tipo de coisa. “Com certeza vamos encontrar ceticismo, mas faz parte da ciência”, disse Scardia, primeiro autor do trabalho e responsável pela datação do material. “Temos muita confiança nos nossos resultados”, complementa.

O natural seria que uma descoberta desse porte fosse publicada numa revista de maior impacto, como Natureou Science. Só não foi, segundo Neves, porque os editores dessas revistas “não acreditam que possa haver vida inteligente abaixo do Equador”, pelo menos no que diz respeito à paleoantropologia — uma área na qual o Brasil não tem tradição de pesquisa internacional. “Engulam ou não, o Brasil está no mapa agora”, finaliza.

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