Na guerra de narrativas relacionadas ao impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, as esquerdas até agora parecem levar vantagem, com a versão de que o ato foi um “golpe”, apesar da derrota sofrida nas urnas em 2018.

Propagada pelo PT e seus aliados e turbinada por filmes como Democracia em Vertigem, da cineasta Petra Costa, e O Processo, de Maria Ramos, a narrativa do golpe ganhou eco na academia e na arena artística e cultural, no Brasil e no exterior, como se o processo legal não tivesse seguido todos os ritos institucionais, de acordo com as regras do jogo.

Agora, três anos depois de o Senado aprovar o impeachment, em 31 de agosto de 2016, um novo filme pretende mostrar o outro lado da história. Realizado pelo Movimento Brasil Livre (MBL), o documentário Não Vai Ter Golpe mescla a trajetória do grupo e da garotada que o formou, sem qualquer experiência política, com as manifestações pelo impeachment, realizadas desde o fim de 2014, logo após as eleições, até a queda definitiva de Dilma, em 31 de agosto de 2016.

Com pré-estreia marcada para esta segunda=feira, 2, em São Paulo, e exibição em plataformas de streaming a partir do dia 5 (Net Now, iTunes, Google Play, Vivo Play e Looke), o filme apresenta uma retrospectiva em muitos momentos emocionante dos protestos que levaram milhões de pessoas às ruas em todo o País, sem apoio da oposição, então capitaneada pelo PSDB, e sob a desconfiança de muitos analistas, que não acreditavam no sucesso do movimento.

‘Infantaria’

Dirigido por Alexandre Santos e Frederico Rauh, cofundadores do MBL, o filme faz referências à Lava Jato e à crise política e econômica da época e expõe o forte sentimento antipetista que proliferava na sociedade. Mostra também os bastidores e os momentos mais difíceis dos protestos, como as divergências com o grupo Revoltados Online, que defendia uma intervenção militar, e o Vem Pra Rua, que no início resistia a adotar o impeachment como bandeira.

Em algumas passagens, o filme realça o papel desempenhado pelo MBL, que se tornou uma espécie de “infantaria” da direita no País, ao adotar um modus operandi até então exclusivo dos militantes mais aguerridos da esquerda, com ênfase em ações públicas envolvendo seus seguidores.

Entre os feitos exaltados pelo filme, incluem-se a convocação da primeira manifestação contra Dilma, realizada em 1.º de novembro de 2014 em São Paulo, Porto Alegre e Goiânia, e a realização de um acampamento no gramado localizado em frente ao Congresso, em outubro e novembro de 2015, que durou cerca de 40 dias e chegou a ter mais de 70 barracas e a reunir centenas de seguidores.

Com duração de 2 horas e 15 minutos e custo estimado em R$ 300 mil, o filme se viabilizou, segundo o MBL, por meio de doações feitas ao longo do tempo e contribuições de filiados, sem o uso de dinheiro público. Embora correto do ponto de vista técnico, relativamente bem montado e com legendas para facilitar o entendimento das falas, trata-se de uma produção semiprofissional, quase caseira, que se reflete de forma emblemática nas cenas em que os líderes do MBL aparecem bem à vontade na casa que abriga o grupo, na Vila Mariana, na zona de sul de São Paulo, onde muitos deles moravam naquele período.

Mea-culpa

É, no final, porém que o filme aponta para o futuro, ao trazer uma espécie de mea-culpa do MBL sobre a sua contribuição para a polarização política do País. A autocrítica reforça uma posição anunciada recentemente pelo grupo, de ampliar a aproximação com os canais políticos tradicionais e se afastar do presidente Jair Bolsonaro, de quem nunca foi muito próximo, apesar do apoio dado nas eleições.

Com a nova postura, o MBL se tornou alvo de ataques em série disparados por bolsonaristas nas redes sociais. As hostilidades chegaram às vias de fato durante uma manifestação em defesa do ministro Sergio Moro, da Lava Jato e da reforma da Previdência, realizada na Avenida Paulista, em São Paulo, em 30 de junho, quando um grupo de bolsonaristas agrediu integrantes do MBL.

“Vivemos num País dividido e insensato. Parece uma guerra sem trégua, em que os mais barulhentos dão o tom”, diz o locutor do filme. “Temos culpa nisso? Em parte, sim. São as dores do crescimento.” Em seguida, afirma que o MBL não sabe o que será do futuro, mas agora sabe o que não quer. O futuro do grupo, porém, deverá depender mais de saber o que ele pretende ser do que o que não pretende. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

A sua assinatura é fundamental para continuarmos a oferecer informação de qualidade e credibilidade. Apoie o jornalismo do Jornal Cidade. Clique aqui.