A TV do quarto de Artur (nome fictício), de 12 anos, está com a tela quebrada desde novembro. Ele ficou irritado com uma derrota no jogo Fortnite e atirou o controle na tela. Os pais definiram que o filho vai ter de comprar outra televisão com a mesada de R$ 100 por mês. Até lá, fica sem videogame.

O Fortnite é o mesmo que foi proibido em colégios do Estado do Kentucky (EUA) na semana passada. O órgão local citou “o teor violento do jogo” para vetar torneios escolares desse game. A proibição reacende o debate sobre a influência dos brinquedos eletrônicos no comportamento de crianças e adolescentes. A mãe de Artur acredita em influência negativa do jogo.

O Fortnite, por exemplo, é um ambiente virtual onde mais de 100 milhões de pessoas se conectam com amigos (da vida offline) para competir, assistir e compartilhar histórias em tempo real. É um game de sobrevivência, no qual os jogadores coletam armas, fabricam ferramentas e tentam permanecer vivos o maior tempo possível. Há referências de cultura pop, cronologia não linear e ação suficiente para uma cascata de adrenalina. Estão lá também peças de merchandising, investimentos conjuntos com marcas de brinquedos e produtos virtuais.

Bruno, de 10 anos, o filho mais novo da advogada Alessandra Parziale, é um deles. A mãe conta que ele joga o dia inteiro – se ela deixar. O mais velho, Cauê, de 18 anos, prefere o game League of Legends (Lol).

“Acredito que esses jogos influenciam no comportamento. Muito nervosismo e até briga com amigos. Tenho medo. Meu filho só fala palavrão quando está jogando. Fico preocupada se pensam que podem fazer fora o que fazem no jogo”, diz ela, de 45 anos, que até leva os aparelhos para o trabalho para impedir que os filhos joguem muito.

E há relação entre jogos violentos e o comportamento de crianças? Aderbal Vieira Junior, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que a resposta é complexa. “Uma criança com boa formação e bem colocada na vida não vai se transformar com um jogo violento”, explica. “Por outro lado, não descarto que um adolescente disfuncional possa ser influenciado negativamente por um videogame violento. Por si só, o videogame não é ingrediente para tirar a criança da trajetória normal. Pode ser um ingrediente a mais em um caldeirão”, diz.

“Estudos científicos mostram que jogos têm relação com a agressividade, mas isso não é necessariamente violência”, diz Ivelise Fortim, do Laboratório de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A psicóloga Cybele Chiquinati destaca que crianças e adolescentes têm períodos distintos de desenvolvimento físico e cognitivo. “Crianças ainda não têm maturação cerebral para compreender um jogo mais violento. Na fase de 2 a 7 anos, ainda estão na fase do desenvolvimento simbólico, com dificuldades de compreender o outro como sujeito”, explica. “Entre 7 e 11 anos, ainda têm dificuldades com o pensamento abstrato. Por outro lado, adolescentes são capazes de lidar com questões mais lógicas e abstratas e criam situações hipotéticas.”

Além de cuidado com a exposição a conteúdos violentos, especialistas recomendam atenção para que a diversão não se torne vício. A Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu em 2018 a compulsão por games como distúrbio de saúde mental na Classificação Internacional de Doenças. Segundo especialistas, não há um número de horas de jogo que caracterize vício, mas é preciso ficar atento para observar se o game atrapalha outras atividades, como os estudos, ou afete a saúde, como o peso ou ciclo do sono.

Ivelise Fortim prepara uma cartilha sobre o uso de jogos eletrônicos em parceria com a Safernet, associação que promove os direitos humanos na internet no País. Entre as ações possíveis para as famílias, afirma ela, é se aproximar do filho quando está jogando. “Alguns pais conseguem jogar junto, o que é uma estratégia interessante”, diz ela. Outra dica é dar o exemplo na relação com eletrônicos. “Não adianta regular o tempo da criança à frente do videogame, mas continuar olhando Netflix ou Instagram sem parar.”

‘Game over’

Nas férias escolares, os videogames estavam praticamente liberados na casa de Marcelo Albuquerque, diretor de área em uma empresa de comunicação. Os filhos Felipe, de 5 anos, e Bianca, de 10, aproveitaram: jogavam mais ou menos seis horas por dia. A partir desta segunda-feira, na volta às aulas, os consoles voltarão às prateleiras. Albuquerque, de 41 anos, diz que o limite diário em frente à tela será de duas horas por dia. Sem choro. E conta que consegue “domar as ferinhas” com diálogo e que nunca teve grandes brigas na hora de tirar o fio da tomada. “Quem não faz a lição não joga videogame”, diz.

Na casa da professora Michele Abbade, a volta às aulas tem sido tranquila. Ela deu espaço para que os dois filhos (João Pedro, de 16 anos, e José Lucas, de 14) participassem da definição das regras, que ficam expostas em uma lista grudada na geladeira.

Só dá para jogar se fizer as tarefas – como cuidar do cachorro e arrumar a cozinha. Durante a semana, três a quatro horas em frente ao videogame. Está dando certo. “Só comecei a me ajustar depois de uma chamada de atenção da pediatra. Ela me perguntou se em casa de ferreiro o espeto era de pau”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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