DANIEL MARIAN, DIANA YUKARI, FÁBIO TAKAHASHI E MARCOS GUEDES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Contestados por sua atuação na definição das medalhas nos Jogos de Tóquio -sobretudo pelos fãs e pela mulher de Gabriel Medina-, os juízes do torneio olímpico de surfe podem dizer que suas avaliações foram consistentes entre si. Houve pouca divergência e uma notável uniformidade nos critérios observados ao longo de toda a competição.
É o que mostra um levantamento feito pela Folha, que analisou as 3.015 notas distribuídas durante todo o campeonato masculino. Para cada uma das 603 ondas surfadas na praia de Tsurigasaki, cinco juízes deram o seu parecer. E, de uma maneira geral, o que se observou foi estabilidade nos parâmetros adotados pelos julgadores.
Pelo regulamento da modalidade, dos cinco números atribuídos para cada onda, são descartados o maior e o menor. Dos outros três, tira-se a média, que é a nota final daquela onda. Ao fim da bateria, o surfista contabiliza a soma de suas duas melhores notas, ou seja, tem a marca de 20 (10 + 10) como pontuação máxima.
A partir da nota média de cada onda em Tóquio, foi possível constatar as eventuais discrepâncias nos pareceres do juízes. Na grande maioria dos casos, todas as cinco notas se aproximaram. Nas 23 baterias do torneio, da primeira rodada ao triunfo do brasileiro Italo Ferreira na decisão, nenhuma nota que variou mais de 1% em relação à média foi contabilizada no resultado final.
Os raros números que fugiram do padrão foram descartados. Entre as mais de 3.000 notas concedidas no campeonato, a mais destoante foi registrada justamente na polêmica bateria semifinal entre o brasileiro Medina e o japonês Kanoa Igarashi, que triunfou por 17 (9,33 + 7,67) a 16,76 (8,43 + 8,33).
Na manobra aérea que rendeu a Igarashi o 9,33 e virou a bateria, as notas foram 9,8 (desconsiderada), 9,5, 9,5, 9 e 7,5 (desconsiderada). O 7,5 aplicado pelo juiz português Nuno Valério Trigo esteve mais distante da nota média do que qualquer outra avaliação durante a competição e teria mudado o cenário não fosse o sistema de descartes.
Tivessem sido levadas em conta todas as notas, o placar final da bateria teria apontado 16,72 a 16,66 para Medina. Mas o apagamento da nota mais alta e da mais baixa tem justamente o propósito de evitar que uma avaliação bastante discrepante, raridade nos Jogos Olímpicos, cause alterações bruscas no resultado.
Ainda assim, a derrota de Gabriel gerou protestos daqueles que não viram na onda decisiva de Igarashi qualidade para um 9,33. A mulher do paulista, Yasmin Brunet, manifestou todo o seu descontentamento e apontou que ele “foi roubado na cara dura”. Kanoa respondeu nas redes sociais, em português: “Chora, chora, que estou feliz”.
Provocações à parte, os que enxergaram injustiça no resultado argumentaram que havia uma particular boa vontade com o surfista da casa em Tsurigasaki. Assim, suas manobras seriam consistentemente superestimadas em bloco, não só por um juiz, o que teria feito a diferença em uma bateria tão acirrada.
Não foi essa a visão de Italo Ferreira, que encarou Igarashi na decisão e o derrotou com facilidade, por 15,14 a 6,6. Primeiro medalhista de ouro da história do surfe olímpico, o potiguar chegou a se irritar com os questionamentos a respeito da semifinal de que não participou e elogiou a manobra do japonês. “O aéreo foi bem executado. Eu daria 9,5”, afirmou.
Os defensores de Medina argumentam que os aéreos do brasileiro, que lhe renderam 8,33 e 8,43, não foram muito diferentes do que valeu 9,33 a Igarashi. Foi justamente em um desses aéreos que o paulista teve, entre as notas que valeram, a segunda mais discrepante de toda a competição: um 8,8 turbinou sua segunda onda válida, a do 8,43, mas não lhe foi suficiente para a vitória.
Essa diferença se mostrou exceção na trajetória de Gabriel, avaliado de maneira muito uniforme durante o campeonato, com 0,18 de variação média (a distância média da nota dada pelos juízes em relação à nota final). Já Italo, que se mostrou agressivo, surfou mais ondas e deu mais trabalho aos julgadores, apresentou uma variação média de 0,25.
De qualquer maneira, uma análise geral das 3.015 notas aplicadas no torneio mostra considerável linearidade. Houve exceções, como o descartado 7,5 de Igarashi nas semifinais, porém o julgamento se mostrou consistente ao longo da disputa, que terminou com Italo coroado. Igarashi ficou com a medalha de prata, e o australiano Owen Wright venceu a disputa com Medina pelo bronze.