Em meio à paisagem rural no Distrito de Ajapi, em Rio Claro, um pedaço do passado aguarda resgate. É o Casarão do Barão de Grão Mogol, localizado no bairro rural da Mata Negra. O imóvel hoje está localizado numa propriedade privada, da família Rossi. O JC conversou com o conservador e restaurador João Rossi, integrante da família e que atua em busca de recursos para promover a restauração do patrimônio.
Qual o seu vínculo com o Casarão do Grão Mogol?
Rossi – Meu bisavô Pedro Rossi adquiriu em 1924 parte da Fazenda Angélica, onde se encontra o casarão, que atualmente pertence a alguns primos, dentre os quais destaco a Sandra Rossi Mattos. Sandra e eu temos um forte elo com a história, devido à minha profissão, e temos encabeçado a longa busca por soluções para que o imóvel não se perca. Nosso interesse na sua preservação e conservação vem ao encontro da preservação da história da nossa Rio Claro.
O que se sabe até o momento sobre a história do casarão?
Rossi – Sabe-se que a casa fora concluída em 1883, mas a história da fazenda tem início em 1817, antes mesmo da fundação de Rio Claro. Gualter Martins Pereira (Barão de Grão Mogol) arrematou a fazenda em um leilão e foi para a cidade, construiu este casarão, deixando a antiga sede que pertenceu ao senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, considerado um dos fundadores da cidade. A fazenda possuiu escravos, mas também foi pioneira na implantação da mão de obra meeira, com colonos europeus. O cultivo inicial em terras da Fazenda Angélica foi com cana-de-açúcar, mas na época do barão já se cultivava o café.
Qual a importância histórica do casarão? O imóvel é tombado como patrimônio?
Rossi – De suma importância, tanto que foi um dos primeiros imóveis tombados pelo CONDEPHAAT (Conselho de defesa do patrimônio histórico e artístico do Estado de São Paulo). A casa chama atenção por sua excepcional arquitetura de inspiração baiana no interior de São Paulo.
Qual o estado de conservação? Nesse momento, vocês buscam recursos junto ao poder público para fazer a restauração? Em qual etapa isto se encontra?
Rossi – A casa não está em bom estado de conservação, mas temos avançado muito na incansável busca por soluções para sua conservação e restauro. Em breve teremos boas novidades para todos nós, rio-clarenses, que amamos nossa história!
Existem muitos relatos envolvendo o barão e os escravos, muitos inclusive com casos de tortura e de crueldade praticados contra os escravos. O que existe de concreto?
Rossi – Infelizmente, nosso país foi um dos últimos a abolir a triste realidade da escravidão. Quanto ao barão, existem muitas lendas que envolvem sua história, porém nenhuma prova temos da narrativa de crueldades ou torturas da parte dele. O que temos é a grande contribuição que ele deixou para a cidade no exercício de presidente da Câmara dos Vereadores. Vou além: em seu testamento, já após a abolição, do qual ele foi pioneiro na cidade, antecedendo a Lei Áurea, indenizou seus escravos, doando a cada ex-escravo um lote de terra na Mata Negra (nome dado à vegetação por ser escura e fechada, não como referência à morte de negros). A história desse brasileiro é complexa, encantando quem a pesquisa e estuda. Quem conhece um pouco da sua história entende o momento político e social da época. Destaco inclusive a generosidade no fim de seus dias. Ao contrário do que muitos pensam, o barão não pode ser relacionado a tantos personagens fictícios de filmes e novelas. Destaco também que a fazenda não é mal assombrada, tampouco sua esposa, que praticamente não viveu na casa, nunca esteve presa ou acorrentada. Enfim, a Sandra e eu temos nos emprenhado em escrever a história dessa fazenda, apagada por lendas e superstições.
Entre as pesquisas realizadas por João Rossi sobre o Casarão, a história do túmulo do Barão de Grão Mogol também chama a atenção. O local acabou se tornando ponto de visitação em meio a um canavial.
Na região também está localizado o túmulo do barão. No local existe um antigo cemitério?
Rossi – A fazenda é relativamente distante da cidade, então, na década de 1870, quando a mesma era propriedade do London and Brazilian Bank, houve um grande surto de varíola e não havia possibilidade de levar todos os mortos para serem enterrados no cemitério da cidade. Diante disso foi autorizada a ereção de um cemitério na fazenda, dividido em duas alas, uma para católicos e outra para protestantes. O barão, falecido em 1890, teve seus restos trasladados para a fazenda na década de 1920.
Este cemitério, ao contrário do que está divulgado, não foi criado como cemitério para atender exclusivamente escravos, mas sim colonos europeus, escravos e alforriados. O último sepultamento neste cemitério de que temos notícias foi de um natimorto no início da década de 1950, filho de João Tessari, que na época era colono da fazenda. Estima-se que aproximadamente 80 almas tenham sido sepultadas neste Campo Santo. Infelizmente, quando a fazenda foi dividida, na década de 1950, meu bisavô Ângelo Seneda deixou de cuidar do dito cemitério, pois ele ficou próximo às terras do seu irmão Pedro Seneda. Ao longo do tempo, o descuido foi tomando conta do local que, infelizmente, hoje está quase que todo tomado por canaviais.
O JC já fez outras reportagens sobre o local. Confira abaixo um vídeo de nossos arquivos: