ANA BOTTALLO -SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A Covid-19 avançou por todo o Brasil em todas as faixas etárias entre abril e maio, mas um grupo que até o início de abril era pouco representado nas estatísticas teve um aumento mais significativo no período: o de crianças de até nove anos.
Levantamento de exames feitos em rede de laboratórios privada apontou que o número de crianças de até nove anos com teste positivo para a Covid-19 aumentou sete vezes em um mês. A taxa de positividade foi de 1,4% até 3 de abril para 9,09% desta data até 14 de maio.
A maior concentração dos exames foi no estado de São Paulo (90%), mas foram levantados dados também de Pernambuco e Rio de Janeiro. Do total de exames realizados na rede –71,4 mil, até o dia 14 de maio–, 5% englobavam a faixa de 0 a 29 anos.
Em todo o estado de São Paulo, até o dia 3 de abril eram 15 os casos de Covid-19 na faixa etária de 0 a 9 anos. Já em maio, 755 crianças tiveram resultado positivo para o novo coronavírus, um aumento de 50 vezes.
Para comparação entre outras faixas etárias, até abril havia 40 jovens de 10 a 19 anos com confirmação do coronavírus e 580 casos entre 20 e 29 anos. Em maio, os casos entre 10 a 19 anos e de 20 a 29 anos tiveram um aumento de 25 e 13 vezes, respectivamente, em relação ao mês anterior, com 1.000 casos acumulados para o primeiro grupo e 7.682 casos para o segundo grupo.
O município de São Paulo também viu o número de casos em crianças e jovens aumentar. Até o dia 31 de março, eram dois casos confirmados de crianças de até nove anos, apenas um caso para adolescentes de 10 a 19 anos e 19 casos de jovens de 20 a 29 anos.
Já no balanço de 1? de abril a 8 de maio, o número de casos cresceu 39, 46 e 17 vezes nas faixas etárias de 0 a 9, 10 a 19 e 20 a 29 anos, respectivamente.
Pernambuco foi o que apresentou maior escalada: crianças de 0 a 9 anos passaram de um caso confirmado até 3 de abril para 234 casos no dia 17 de maio, um aumento de mais de 200 vezes. Esse número, porém, pode ser reflexo de um aumento na coleta de amostras, uma vez que no início da pandemia só eram testados pacientes com quadros graves e profissionais de saúde.
Em relação aos jovens de 10 a 19 anos, o número de casos até o dia 3 do mês passado era apenas 3 e aumentou para 173 no boletim de 17 de maio, uma alta de quase 60 vezes.
Já no Rio de Janeiro, no mesmo período o número de casos confirmados cresceu por volta de 5, 7 e 6 vezes, nas faixas etárias de 0 a 9 anos, 10 a 19 e 20 a 29 anos, respectivamente. Essa taxa se manteve praticamente a mesma entre as demais faixas etárias até 59 anos.
As faixas acima de 60 anos tiveram crescimento maior no estado fluminense, com aumentos de 8 a 10 vezes no comparativo com o mês de abril.
A médica Denize Ornelas, integrante da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, diz que há viés nos dados, pois na rede privada qualquer paciente pode fazer o exame, enquanto na pública só são testados os internados com síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em estado grave. “Como estamos falando de testes RT-PCR, existe desigualdade no acesso de quem não está com sintomas graves, mais evidente nas regiões periféricas. Seria muito importante ter esses dados estratificados, pois a minha percepção é que as pessoas estão buscando mais e estão conseguindo fazer o teste”, avalia.
Segundo Ornelas, com o aumento de testes, é natural que exista aumento de casos confirmados em crianças e jovens que são assintomáticos, pois essas faixas etárias não apresentam sintomas e não são hospitalizadas. Por outro lado, no SUS não há testagem de crianças e jovens assintomáticos.
Ornelas diz que outro viés é que até hoje o governo federal não divulgou o número total e a taxa de positividade de todos os testes feitos no Brasil. “Só assim poderemos saber qual o significado dessa incidência”.
Na avaliação da médica, uma taxa de positividade em torno de 5% em crianças e jovens de até 29 anos estaria de acordo com o observado em outros países, onde esses grupos aparecem dentro da parcela de assintomáticos.
Não está claro ainda também como a doença se desenvolve nas crianças, que em geral apresentam menos sintomas, e se elas realmente transmitem menos o vírus.
De acordo com Ornelas, internações de crianças por outras doenças respiratórias, como influenza e virose sincicial respiratória, são comuns nesta época, mas diminuíram em 2020.
“Vimos uma diminuição das internações em UTIs de São Paulo de crianças por esses vírus. Por estarem dentro de casa, a maior probabilidade é de contraírem o Sars-CoV-2 de um adulto que saiu para trabalhar. A etiologia das doenças respiratórias nas crianças nesse momento muda, e por isso estamos vendo casos de Covid-19 nas crianças.”
Nos jovens, no entanto, o contágio esta mais ligado à condição social. O aumento no número total de testados está associado à necessidade de sair para trabalhar, uma vez que esse grupo se expõe mais ao risco de contágio.
No entanto as internações por síndromes respiratórias é que vão dizer se esses jovens representam ou não uma maior preocupação de agravamento de quadro e se o avanço da doença nessa faixa deve ser observado com maior atenção ou não, afirma Ornelas.
“Nos EUA, a hipótese que foi levantada para os jovens é de associação com comorbidades, como obesidade, diabetes e hipertensão. No Brasil, não estamos vendo essa associação com diabetes e hipertensão porque essas doenças são menos frequentes nos jovens, mas pode estar ligado ao sedentarismo ou ao tipo de condição social, e é isso que precisamos investigar.”