THIAGO AMÂNCIO – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Veronica Oliveira, 38, viu sua vida mudar algumas vezes nos últimos anos. Primeiro, perdeu o emprego e com ele a casa e a vontade de viver. Precisando de dinheiro para comer, começou a fazer faxinas.
Seus anúncios engraçadinhos viralizaram na internet e hoje ela acumula quase 100 mil seguidores no Facebook, onde toca a página Faxina Boa, e outras dezenas de milhares em outras redes sociais.
No começo deste ano, semanas antes da pandemia do novo coronavírus estourar no Brasil, Veronica resolveu abandonar as faxinas e se concentrar na carreira de digital influencer, título do qual ela mesma acha graça. Em entrevista à reportagem, a agora ex-diarista conta que quer usar a fama e os seguidores que acumulou para ajudar a dar dignidade à profissão -principalmente em tempos de coronavírus.
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Pergunta – Você tem um grupo no Facebook com 7.000 faxineiras no Brasil e no mundo. Pelo que tem conversado com as pessoas, de modo geral, qual a situação dessas profissionais hoje com a pandemia?
Veronica Oliveira – Uma coisa que achei muito interessante é que, não importa há quanto tempo você trabalha com a mesma pessoa, embora ache que tem um vínculo, acaba percebendo que não. Teve uma menina que está há 22 anos na mesma casa e foi dispensada sem nenhum auxílio. Ela comentou: “O que me doeu foi não terem nem me perguntado se eu estou bem”.
E percebo também que quem está tentando ajudar e pagando a diária mesmo sem a faxineira trabalhar não são os mais ricos, mas uma galera classe média que tem alguma consciência social. A maioria das pessoas mais ricas apenas dispensou sem se preocupar em como a pessoa vai comer dali em diante.
Muitas faxineiras pediram auxílio emergencial, mas ficaram muito tempo em análise, demoraram a receber.

Muita gente tem descoberto a faxina pela primeira vez com a pandemia e visto que esse é um trabalho pesado, que demanda tempo e esforço. Você acha que a profissão pode ser mais valorizada?
VO – Eu gostaria muito que fosse. Mas, do fundo do coração, não acredito que isso vá acontecer. Mas dá um quentinho no coração ver as pessoas aprendendo na marra o quanto nosso trabalho é difícil e o quanto a gente merece reconhecimento por fazer algo que exige tanto do nosso físico.

O brasileiro costuma dizer que tem mania de limpeza, que é uma coisa cultural. Mas, pela sua experiência na casa das pessoas, o brasileiro realmente sabe manter as coisas limpas ou gosta mesmo é de pagar alguém para isso?
VO – Não só não sabe como não sabe nem comprar as coisas, não sabe absolutamente nada. Nada, zero, é impressionante, a pessoa não sabe do que precisa. Eu morro de medo de quem pergunta o que precisa comprar, porque eu penso: “O que essa pessoa limpou em casa até hoje? O que eu vou encontrar quando eu chegar lá?”. Só sabe realmente pagar para alguém fazer.

Então, se for para dar uma recomendação geral a essas pessoas, o que é básico para uma pessoa manter a casa mais ou menos arrumada?
VO – Recolher o lixo pelo menos dia sim, dia não; manter o banheiro limpo, porque é uma coisa que se limpa diariamente; não acumular louça e arrumar a cama, pelo amor de Deus, não custa nada. A cama arrumada já dá a sensação de casa arrumada, melhora seu dia e muda a sua cabeça. É muito doido o quanto isso impacta na sua vida, na produtividade, na forma de você encarar o dia, o fato de a casa estar ou não arrumada.

Como você começou a fazer faxina?
VO – Sempre trabalhei como operadora de telemarketing, ganhava bem e estava tranquila. Até a empresa falir. Só consegui outro emprego numa empresa que pagava um salário mínimo, e aí mudou completamente minha forma de viver com meus filhos. A gente se mudou para um quartinho de pensão e eu falei para eles que era temporário.
Ganhava um salário mínimo e me enchia de dívida loucamente para manter o mínimo. Com os descontos, aluguel e contas, eu tinha uma renda entre R$ 80 e R$ 100 por mês para três pessoas. Era muito óbvio que não ia ser temporário aquilo. E aí fui adoecendo.
Depois de um ano que a gente estava morando lá, em 2016, eu tentei suicídio e fui internada num hospital psiquiátrico. Um médico disse: “Você não é doida, você é pobre. E pobre dá para mudar”. E isso ficou na cabeça, porque eu pensei que ele não estava errado.
Quando eu saí do hospital, eu não fazia a menor ideia do que fazer da vida. Fui dormir na casa de uma amiga, que estava uma zona e eu comecei a arrumar. Aí eu fui limpando e esfregando até o teto. Quando eu terminei, ela falou: “Você se ofende se eu te pagar?” Eu tava muito sem grana, falei que não. Eu fiquei pensando: “Se todo dia eu ganhasse isso, minha vida mudava completamente”. Aí comecei a faxinar a casa das amigas, até que chegou a hora de anunciar.
Aí eu fiz uma campanha engraçada, me inspirei nos filmes e séries, “Better Call Saul”, “Orange Is The New Black”, “Star Wars”, “De Volta Para o Futuro”, que viralizou. Foi essencial para atrair um público parecido comigo. Atendia pessoas jovens, que moravam no centro, em apartamentos pequenos. Foi perfeito, porque eu me blindei de passar por situações complicadas, é um público fácil de atender. E também é uma galera que realmente não faz ideia do que fazer na casa.
Uma pessoa disse: “Nossa, eu nunca tinha pensado em limpar o espelho”. Eu falei: “Eu sei, eu vejo nas suas selfies”. Era muito engraçado. Eu criei vínculo e hoje eu ainda frequento a casa de quase todo mundo. E comecei a atender youtubers, blogueiros. Aí deu certo. Quando descobriram que eu morava onde eu morava, juntaram uma grana para eu alugar um apartamento, e eu tô nesse apartamento até hoje.
As coisas mudaram completamente na minha vida a partir do momento daquele post [do anúncio da faxina]. Depois de um ano, eu fui chamada para a primeira palestra, na sede do Twitter, para profissionais de propaganda. Quase morri do coração, achei que ia ter um treco, comecei a chorar, achei que não ia conseguir. Fui lá e fiz. Hoje já palestrei em diversos eventos no país todo.
Meu conteúdo conseguiu trazer para as pessoas um pouco de esperança de que as coisas podem mudar. Eu não fazia ideia que ia chegar onde cheguei. Só é esquisito o povo acompanhando a minha vida o tempo todo, mas tudo bem.

Você já passou por situações de preconceito?
VO – Acontecem várias coisas. O estigma da profissão é tão interessante que até numa loja de cosméticos já aconteceu de a vendedora sugerir que eu não tivesse a possibilidade de comprar aquele produto. Fiquei com vontade de comprar dois da colega dela, só para não dar comissão para ela. Às vezes, são coisas simples, às vezes coisas bizarras, como um cara desistir de sair comigo quando eu falo que sou faxineira.
Era muito comum me falarem “pode me dar um toque a cobrar que eu te ligo de volta”. A pessoa imediatamente tinha certeza que eu não tinha condição de pôr crédito no celular. E eu pensando: “Amada, se você soubesse” Eu nunca respondi, mas isso me irritava tanto. E quando chega na casa e a pessoa vê que eu tenho um telefone legal, já olha daquele jeito…
Recentemente, teve uma pessoa que fez um post no Instagram, que falava assim: “Descobri um perfil impressionante. É uma menina que faz faxina, se você olhar a timeline dela, os stories dela, gente, ela é uma pessoa que daria para conversar comigo, para andar comigo. Ela sabe várias coisas, frequenta lugares ótimos”.
Quando eu comecei a fazer trabalho com marca, imagina, eu ganhava um salário mínimo, e quando descobri quanto um influencer ganha, quanto uma marca paga, eu fiquei muito chocada. Eu fiz um trabalho de vídeo para um banco com um cachê que era uma coisa que eu nunca tinha visto na vida.
E como toda pessoa pobre, que nunca viu muito dinheiro de uma vez, primeiro paguei todas as minhas dívidas. O que sobrou, claro que eu não guardei. Gente, eu sinto muito, eu só me ferrei na vida. Aí fui passear um pouco. Passei 20 dias na Itália. Foi impressionante. Vinte dias comendo coisas que nunca mais serão comidas. Eu cheguei a chorar comendo ,pensando: “Não é possível que isso existe. Depois quando eu comer de novo no Brasil, eu vou ficar triste”. A moça fez a massa do macarrão, o molho, o queijo, não tem como você comer de novo [risos].

E quais são seus planos para o futuro profissionalmente? Você pretende seguir carreira de influencer?
VO – Isso é muito bom, carreira de influencer [risos]. Pior que tenho feito cursos na área de propaganda e marketing, produção de conteúdo, justamente para fazer esse negócio dar certo. Hoje eu trabalho com marcas grandes, então eu não posso nem reclamar dessa brincadeira de influencer. É uma coisa que, sim, me interessa muito, a criação de conteúdo.
Eu tenho vontade de fazer algo voltado para o social para ajudar essas pessoas, para profissionalizar o trabalho doméstico brasileiro, que é tudo muito largado, cada um faz de um jeito, cobra de um jeito. Quando eu recebo mensagem de alguém de Mato Grosso dizendo que entra às 8h e sai às 19h para ganhar R$ 40, não dá para aceitar esse tipo de coisa. E isso acontece até em São Paulo
Eu queria muito que a profissão fosse regulamentada de um jeito que as pessoas não sofressem tanto. A minha vontade é realmente fazer algo por essas pessoas.

RAIO-X
Veronica Oliveira, 38
Foi operadora de telemarketing antes de virar faxineira, em 2016. Após anúncios do serviço fazerem sucesso na internet, ela criou uma página no Facebook, o Faxina Boa, que hoje tem quase 100 mil seguidores, onde dá dicas e conta como é a rotina de uma diarista. Em fevereiro deste ano, deixou as faxinas para se dedicar à carreira de digital influencer.

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