Marcelo Toledo – Folhapress

Num movimento considerado mais lucrativo para o crime e impensável até anos atrás, fábricas clandestinas de cigarro instaladas no Brasil estão falsificando marcas paraguaias e, mais do que isso, exportando esses produtos.

Em menos de uma década, foram flagradas cerca de 20 indústrias clandestinas, das quais 9 foram fechadas somente no ano passado no país, numa modalidade criminosa encontrada especialmente no interior de São Paulo, no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais.

O cigarro paraguaio já está tão consolidado no Brasil –respondeu por 49% do mercado em 2020– que passou a ser vantajoso para as quadrilhas falsificarem marcas produzidas legalmente no país vizinho para venderem no mercado interno.

Assim, escapam do imposto cobrado no Brasil, que pode ultrapassar 90% do valor do maço, dependendo do estado, e, também, do imposto de 18% existente no Paraguai –é o país sul-americano com o menor percentual.

Além disso, evitam o risco de apreensões nas rodovias. Só no primeiro semestre de 2021, a Receita Federal apreendeu mais de 7 milhões de maços de cigarros em rodovias paulistas a partir do Nurep, núcleo instituído no fim de 2020.

As nove fábricas ilegais descobertas em 2021 produziram 5,3 bilhões de cigarros de marcas importadas como Eight, Gift, Palermo e Club One, segundo as investigações policiais e órgãos que atuam na repressão ao contrabando.

Com esquema sofisticado que inclui isolamento acústico nas fábricas, elevadores para a produção da mercadoria no subsolo, um bunker e saída de emergência para o caso de o local ser alvo de fiscalização, essas indústrias têm produzido diariamente milhões de cigarros falsificados.

Ao lado da entrada de marcas paraguaias via contrabando pelas fronteiras, elas fazem com que o país amargue prejuízos bilionários todos os anos com o mercado ilegal.

Só em 2020, foram mais de R$ 10 bilhões de perdas em impostos, segundo dados do Ipec, graças à operação de fábricas como uma descoberta em outubro pela PF (Polícia Federal) em Triunfo (RS).

MÃO DE OBRA ANÁLOGA À ESCRAVIDÃO

A PF estourou em outubro uma fábrica clandestina que operava com mão de obra análoga à escravidão de estrangeiros e movimentava R$ 50 milhões por mês. Com produção de 10 milhões de maços falsificados mensalmente, o esquema contava com um bunker sob um contêiner. O local era acessado apenas por meio de um elevador hidráulico.

“Demoramos algumas horas para localizar efetivamente a fábrica. Sabíamos que era ali, mas estava oculta. É um investimento rentável. Quem fabrica não fica exposto ao preço mínimo do Brasil, à grande carga tributária, o que torna isso um mercado extremamente rentável”, disse o delegado da PF Wilson Klippel, responsável pela operação.

Além de distribuir o produto falsificado no mercado nacional, a quadrilha também estava enviando cigarros para o Uruguai, de acordo com o delegado.

Foram encontrados no local 18 trabalhadores, sendo 17 paraguaios, em situação análoga à escravidão, trabalhando em cômodo sem janela e com apenas dois chuveiros.

Segundo ele, as quadrilhas são “nômades”, com o objetivo de driblar a fiscalização, o que também indica que o negócio é altamente lucrativo, já que nas novas instalações toda a estrutura precisa ser novamente erguida.

A estimativa aponta que, por mês, eram deixados de arrecadar R$ 25 milhões em impostos somente com a operação da indústria na cidade do Rio Grande do Sul.

Antes disso, em setembro, um galpão na zona rural entre Cássia dos Coqueiros e Santo Antônio da Alegria, no interior paulista, era usado pelos criminosos para produzir cigarros paraguaios falsos.

Assim como no Sul do país, a estrutura foi montada com o objetivo de evitar operações policiais, com uma passagem secreta na parede para a fuga da quadrilha, câmeras para monitorar o entorno e isolamento acústico.

Também no interior, outro galpão, mas em meio a lavouras de cana-de-açúcar em Araraquara, foi descoberto em abril, produzindo cigarros de cinco marcas diferentes. Duas pessoas foram presas. Uma gráfica na capital fornecia as embalagens piratas dos cigarros originalmente produzidos no país vizinho.

MERCADO ILEGAL

O mercado de cigarros ilegais sofreu redução em 2020 no país, segundo dados do Ipec, por conta, entre outros fatores, do fechamento das fronteiras durante a pandemia, da alta do dólar e do lockdown no Paraguai, que interrompeu as atividades das fábricas.

Apesar disso, o mercado ilegal de cigarros ainda respondeu por 49% do consumo brasileiro, ante 57% de 2019, e os legalizados passaram de 43% para 51%.

O FNCP (Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade) estima que o cigarro falsificado já represente 11% do mercado brasileiro.

“O preço do produto é metade do cobrado pela mercadoria legal, isso atrai demanda. O fumante, especialmente de baixa renda, é atraído pelo produto mais barato”, disse Edson Vismona, presidente do FNCP.

Para a polícia, o mercado doméstico está sendo inundado por duas situações: os falsificadores natos e as fábricas que atuam como espécie de “filial” de contrabandistas paraguaios, dada a quantidade de trabalhadores daquele país encontrados nas indústrias ilegais no Brasil.

“A maioria é falsificação pura e simples, de falsificar marca paraguaia por ela ser líder de mercado no Brasil. É o crime atacando o crime”, disse Vismona.

Também foi encontrada uma fábrica ilegal em Vassouras (RJ), que operava numa antiga indústria de biscoitos. Cinco paraguaios foram presos.

Para o FNCP, é preciso atacar a oferta e a demanda, mantendo as operações policiais e desenvolvendo ações de coordenação nas fronteiras e, também, criando rival no mercado para os cigarros paraguaios. Uma opção apontada pelo presidente do Fórum seria uma marca brasileira confrontar as contrabandeadas, pagando um imposto menor.

“É um tema contaminado por debates ideológicos, não queremos aumentar o consumo do cigarro, mas aumentar o [índice do] legal sobre o contrabando. Não haveria aumento de consumo, mas uma migração para o legal, aumentando a arrecadação do país.”

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