Estadão Conteúdo
Um bloco de gelo do tamanho do Distrito Federal se deslocou totalmente da plataforma Larsen C, no oeste da Antártida, lançando no mar um dos maiores icebergs já produzidos na região, com uma área de 5.800 km² e peso de 1 trilhão de toneladas.
Apesar de esse tipo de desprendimento ser algo natural na Antártida, a rapidez com que ocorreu e o tamanho do iceberg surpreendem e levantam suspeitas de que o aquecimento global possa ter contribuído. Pesquisadores do Projeto Midas, da Universidade de Swansea, no País de Gales, vinham monitorando Larsen C já há vários anos, desde o colapso da Larsen A, em 1995, e do súbito rompimento da Larsen B, em 2002.
Desde o início do ano, eles alertam para o rápido avanço da fenda, que atingiu um comprimento de mais de 200 km em junho, deixando o iceberg preso por um fio de gelo de apenas 4,5 km. Imagens do satélite Aqua Modis, da Nasa, comprovaram o desprendimento, que deve ter ocorrido em algum momento entre segunda e terça-feira, dia 12.
Como essas plataformas são áreas de gelo que ficam presas ao continente, mas flutuando no mar, ao se soltar o iceberg não causa um aumento do nível do mar – assim como um cubo de gelo em um copo d’água não eleva seu volume ao derreter. A preocupação é o que pode acontecer com a Larsen C, agora reduzida em 12% de sua área.
“Apesar de esse ser um evento natural, e de não termos conhecimento de nenhum link dele com as mudanças climáticas induzidas pelo homem, isso deixa a plataforma em uma posição muito vulnerável. Este é o maior recuo que esta frente de gelo teve no registro histórico. Então vamos prestar muita atenção em sinais de que o restante da plataforma esteja ficando instável”, afirmou o glaciologista Martin O’Leary, membro do Midas, em comunicado no site do projeto.
“Nos próximos meses e anos, a plataforma pode tanto gradualmente voltar a crescer quanto pode sofrer novos rompimentos, que poderiam eventualmente levar a seu colapso – as opiniões da comunidade científica estão divididas. Nossos modelos apontam que estará menos estável, mas um colapso pode levar anos ou décadas”, complementa Adrian Luckman, líder do projeto.
Um cenário de desmantelamento da plataforma é preocupante porque as plataformas se formam ao fim das geleiras – corredeiras de gelo se deslizam do interior do continente para o mar. É o que explica o climatologista brasileiro Francisco Aquino, do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
“As plataformas de gelo fazem uma zona de transição entre o gelo do continente e o oceano. Também servem como um freio das geleiras que fluem do continente para a costa. Se elas diminuem ou desaparecem, as geleiras passam a fluir com maior velocidade em direção ao mar. Aí sim pode ocorrer uma contribuição com o aumento do nível do mar”, disse ele ao Estado. E à medida que a temperatura sobe com o aquecimento global, as geleiras podem correr mais rápido.
“Agora a Larsen C está com a geometria alterada e uma vulnerabilidade maior. Não dá para saber se no próximo verão, quando tempestades e o mar solapar um pouco mais o que sobrou dela, como vai se comportar. Lembrando que o rompimento ocorreu no meio do inverno, quando deveria estar mais frio e mais estável”, diz.
Em relação ao iceberg, ainda não é possível estimar como ele vai se comportar. Pode ficar se deslocando lentamente por muitos anos até derreter. Dependendo das correntes, poderia chegar até a altura das ilhas Maldivas. Pode ainda se fragmentar ou bater em outros locais, arrancando outros icebergs menores para o mar
Transformações
Apesar de não haver evidências concretas de que esse evento específico esteja relacionado às mudanças climáticas, a Península Antártica, ponta a oeste da Antártida onde fica a Larsen C, tem observado várias alterações nos últimos anos. Essas sim relacionadas com o aquecimento global.
Ali é um dos lugares que mais rapidamente esquentou no mundo – cerca de 3°C desde 1950. A península está testemunhando uma diminuição da massa de gelo do norte para o sul. E a cobertura tem diminuído, aparecendo paisagens verdes, com musgos e liquens As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.