FABIANO MAISONNAVE E LALO DE ALMEIDA – PORTO JOFRE, MT (FOLHAPRESS)
Ao avistar a onça-pintada na beira do rio São Lourenço, na manhã de domingo (13), o empresário de turismo Daniel Moura, 49, soltou um pequeno grito de alívio, no ar sobrecarregado de fumaça: “Graças a Deus!”.
Na véspera, ele havia passado o dia inteiro no barco à procura de onças.
Apenas uma apareceu, já no final da expedição, e caminhava mancando. “Antes do incêndio, a gente já via onça na primeira curva do rio”, compara.
Dono de uma pousada em Porto Jofre, Moura depende dos visitantes interessados em observar onças do Parque Estadual Encontro das Águas. A região registra uma das maiores densidades do felino do mundo e, para a alegria dos turistas, na maioria estrangeiros, se acostumou à presença humana.
Essa experiência bem-sucedida, no entanto, está sendo consumida pelas chamas. Até sábado (12), 67 mil dos 108 mil hectares da unidade já haviam queimado -62% do total, segundo números do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso.
“O Pantanal é uma das caixas-fortes da onça-pintada no mundo. Nesses últimos dez anos, com as boas-novas do turismo de onça e a proteção que ele proporciona, a gente estava acreditando que a probabilidade de conservação iria melhorar”, diz o biólogo Peter Crawshaw Júnior, que estuda o felino há mais de quatro décadas.
“O Parque Encontro das Águas é uma área onde esse turismo ia de vento em popa”, afirma o analista ambiental aposentado do ICMBio.
Ainda sem perspectiva de trégua, o incêndio deste ano já consumiu ao menos 2,3 milhões de hectares do Pantanal, ou 16% de sua área. É a maior destruição desde o início da série histórica, iniciada em 1999. Os números são do Ibama.
“Este fogo tem uma dimensão tão grande que não restam mais refúgios. São poucas as áreas sem alteração”, afirma o biólogo Fernando Tortato.
Especializado em onças, ele está trabalhando para conter o incêndio na fazenda Jofre Velho, em esforço que reúne funcionários, bombeiros, militares e voluntários. Vizinho ao Encontro das Águas, a propriedade sedia o projeto privado Panthera, de conservação e visualização de onças.
O trabalho, no entanto, não consegue controlar o fogo. A fazenda tem 10 mil hectares, dos quais cerca de 50% já foram varridos pelo fogo. “Num cenário bem pessimista, talvez a gente vá salvar 10%. Essa é a realidade de muitas fazendas”, afirma o biólogo, que pesquisa a região há dez anos.
Até agora, duas onças já foram resgatadas na região de Porto Jofre (251 km de Cuiabá), segundo Tortato.
CAÇANDO URUBU
Indiferente à presença do barco com repórteres, a onça tentou dar o bote em um urubu que estava à beira da água, mas a ave voou. Em seguida, caminhou mais um pouco ao longo do rio até se sentar em cima de um barranco.
Em meio à vegetação queimada, a pintada remexeu as cinzas do chão com uma das patas, como se tentasse entender -ou mostrar aos visitantes- o que está acontecendo.
Pouco antes, a reportagem encontrou um dos poucos visitantes que se arriscam a visitar o Pantanal. Fotógrafo amador, o neurocirurgião paulista Erik Donato visita o Encontro das Águas há três anos seguidos. O impacto é óbvio, diz.
“Estou aqui há três dias. Duas das três onças que visualizei estavam comprometidas, com lesão. Uma delas, inclusive, não andava e foi resgatada”, afirma. “Em comparação, no ano passado, vi 19 onças, 9 delas em um só dia.”
Com experiência de viagens pela Namíbia, pela África do Sul e outras partes do mundo, Donato diz que o Pantanal chama a atenção pela ausência do Estado.
“Em todos os lugares, há um certo monitoramento. No Pantanal, você não vê um barco do Ibama, da Marinha”, afirma. “Eu nunca vi fiscalização alguma em três anos. Isso aqui é jogado. O que vi agora foram duas unidades do Corpo de Bombeiros em toda a [rodovia] Transpantaneira e só. Infelizmente.”
Ao final de 5h percorrendo os cursos d’água, a reportagem, guiada por Daniel Moura, visualizou duas onças-pintadas. Apesar do cenário desolador, encontrá-las sem sinais de lesões deu esperanças ao empresário goiano que se apaixonou pela região há 11 anos. “Elas continuam por aqui.”