Folhapress/ Mayala Fernandes

A pandemia de Covid-19 não apenas obrigou as famílias a ficarem mais tempo em casa como também resultou em interações familiares mais saudáveis para muita gente. Um estudo da American Psychological Association indica que 60% dos entrevistados passaram a se reunir com mais frequência para jantares.

Desses, 67% relataram risadas mais frequentes e 59% disseram se sentir mais conectados à família durante as refeições.

Juliana Dieterich, 40, nutricionista, e seu marido, que adotaram o home office durante o isolamento, notaram uma mudança significativa na rotina.

“Antes, almoçávamos fora todos os dias; de repente, nos vimos preparando todas as refeições em casa. Minha filha estava em fase de introdução alimentar e eu tive a oportunidade de acompanhar cada etapa desse processo”, conta. “Esses momentos foram transformadores para nós, pois desenvolvemos hábitos alimentares mais saudáveis e nos reconectamos como família.”

A pesquisa, publicada na revista Couple and Family Psychology: Research and Practice, mostra que as famílias que passaram a fazer refeições juntas com mais frequência durante a pandemia também relataram interações mais positivas, como trocas de gratidão e expressões de alegria.

Para Anne Fishel, autora do estudo e pesquisadora em terapia familiar no Massachusetts General Hospital (EUA), essas reuniões ao redor da mesa fortalecem os laços familiares e promovem benefícios para a saúde mental de crianças e adultos.

“Quando as famílias comem juntas regularmente, observamos diversos benefícios, como menor incidência de problemas comportamentais em crianças e adolescentes, além de maior resiliência emocional. Para os adultos, as refeições em companhia estão associadas a níveis reduzidos de depressão e ansiedade”, afirma Fishel.

O estudo analisou dados de 517 pais de diferentes origens étnicas e socioeconômicas nos Estados Unidos, coletados em maio de 2021. Os participantes foram questionados sobre a frequência dos jantares em família em comparação ao que faziam antes da pandemia, bem como sobre a qualidade das interações e as expectativas para o pós-pandemia. A maioria dos entrevistados relatou aumento nas refeições em família, em uma escala de 1 a 5, sendo 1 “muito menos” e 5 “muito mais”.

Os pesquisadores também notaram que as famílias começaram a incluir notícias e informações externas nas conversas durante os jantares, criando um espaço seguro para que as crianças compartilhassem suas ansiedades e fizessem perguntas aos pais.

“O mais especial foi envolver minha filha nesse processo, o que nos aproximou ainda mais. Ela me ajudava na cozinha, a colocar a mesa e a escolher ingredientes, despertando um interesse por novos alimentos e sabores”, comenta Juliana. “Hoje Catarina é uma criança curiosa e aberta a experimentar de tudo.”

Pedagoga e mestre em psicopedagogia pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), Marianna Canova destaca que esses momentos são importantes também para o sentimento de pertencimento.

“O tempo em família se torna uma nutrição emocional fundamental para que a criança se sinta pertencente ao núcleo familiar”, diz. “Atribuir responsabilidades, como servir a mesa ou escolher os ingredientes, faz com que ela participe do processo da alimentação e compreenda o tempo que isso leva”, explica.

A professora Amanda Alfredo Lima, 30, conta que compartilhou a rotina do isolamento com a avó de 93 anos, os pais e o companheiro. “Eram muitas histórias divertidas à mesa. Compartilhávamos também as expectativas sobre o que acontecia no mundo, mas tudo se tornava mais leve quando estávamos juntos.”

O estudo americano sugere que o aumento da frequência de refeições pode ter gerado efeitos positivos duradouros nas dinâmicas familiares. Mais de 60% dos entrevistados afirmaram que estavam jantando juntos com mais frequência do que antes da pandemia.

“Especificamente, 56% relataram que aumentaram as conversas sobre seus dias, 60% disseram que falaram mais sobre sua identidade familiar e 67% notaram um aumento nas risadas em conjunto”, explica Anne Fishel. Essa tendência se manteve em todos os grupos etários, de renda e de gênero.

Juliana Dieterich conta que, após o fim do isolamento e com o retorno ao trabalho presencial, foi preciso adaptar a rotina, mas diz que continua preparando os jantares em família com a ajuda da filha, agora com cinco anos. “Esses momentos reforçam os hábitos que construímos juntos e valorizam o tempo em família”, diz.

Nem todo mundo, porém, experimentou os benefícios da convivência intensa —40% dos entrevistados da pesquisa relataram aumento de comportamentos negativos durante a pandemia.

“Quanto mais tempo você passa com alguém, mais percebe tanto suas qualidades como também os defeitos”, avalia a psicóloga Isabela Machado da Silva, professora do programa de pós-graduação em psicologia clínica e cultura da UnB (Universidade de Brasília).

Segundo ela, a boa qualidade dos relacionamentos familiares tende a unir as pessoas diante de desafios, da mesma forma que relações fragilizadas podem experimentar ainda mais distanciamento. “A proximidade, por si só, oferece a oportunidade de conhecer melhor o outro, mas não garante que boas habilidades relacionais sejam desenvolvidas, especialmente se a pessoa estiver fechada a isso.”

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