Só filhos e netos de italianos nascidos no país manterão direito automático. Mudança pode afetar milhares de famílias da região. Em Rio Claro, casos estão sendo acompanhados pela instituição Sociedade Italiana, formada por imigrantes
A cidadania italiana, tão sonhada por milhares de brasileiros descendentes de imigrantes, sofreu uma reviravolta histórica. No último dia 28 de março, o Conselho de Ministros da Itália aprovou um decreto que limita o reconhecimento automático do direito apenas a filhos e netos de italianos nascidos em território italiano.
A decisão visa conter o avanço expressivo no número de cidadãos italianos registrados fora do país e exige que gerações mais distantes comprovem vínculo efetivo com a Itália — algo que pode incluir laços culturais, sociais ou administrativos, cujos critérios ainda estão em definição.
“Com essa medida, a Itália busca reforçar a conexão real com seus cidadãos, evitando um crescimento descontrolado da população residente no exterior”, diz o comunicado oficial do governo. Outro ponto anunciado é a criação de um sistema digital centralizado, gerenciado pelos ministérios do Interior e das Relações Exteriores, para substituir a atuação dos consulados e tribunais nos processos de reconhecimento.
Para os milhares de descendentes que vivem em nossa região, onde famílias de origem italiana fazem parte da identidade local, a notícia causa apreensão e pressa. Muitos já se mobilizam para reunir documentos antes que as novas regras entrem em vigor de forma definitiva – ainda que, por hora, ninguém consiga entrar com processo do reconhecimento da cidadania. Pedidos protocolados até 27 de março de 2025, às 19h59 (horário da Itália) seguem valendo com base nas regras anteriores.
Rio Claro

Em Rio Claro, a situação está sendo acompanhada de perto pela Sociedade Italiana. A entidade, com 140 anos de fundação e formada por imigrantes italianos, promove um importante trabalho de apoio aos descendentes que buscam por esse reconhecimento da cidadania há cerca de 50 anos. A instituição colabora com assessoria jurídica e busca por documentos históricos das famílias e demais iniciativas que possam ajudar com este processo.
De acordo com Maria Helena Cangiano, que trabalha na instituição realizando este serviço há mais de 30 anos, o decreto ainda é algo muito incerto. “Não temos passado certezas. A votação será até 8 de maio. Até lá está tudo incerto. Os advogados que trabalhamos na Itália também não nos dão certezas. Eles acreditam que há inconstitucionalidade no decreto. Talvez tenha um novo decreto que vem contra o primeiro. Então, temos uma grande esperança de uma boa mudança”, explica.
Atualmente a Sociedade Italiana está assessorando de 20 a 30 processos de famílias de Rio Claro e da região, bem como de outras pessoas que até mesmo moram fora da cidade. Diante das mudanças, apenas parte do serviço continua. “Acompanhamos todo o trabalho dos consulados italianos. Estamos passando para que as famílias continuem buscando os documentos dos antenatos italianos. Certamente o decreto fará mudanças, mas não podemos dar certeza de nada. Depende-se da votação no Parlamento”, conclui.
Situação na Itália
A rio-clarense Beatriz Altimari Olivati, que reside há duas décadas na Itália, falou ao Jornal Cidade sobre como está o clima político diante das mudanças promovidas no país. Segundo ela, o decreto tem até 60 dias – desde a sua data de assinatura – para ser aprovado pelo parlamento italiano. Mas, há muitas contestações. Segundo ela, ao longo dos últimos anos houve muita burocratizaram dentro do Consulado Italiano no Brasil, com morosidade nos processos de reconhecimento de cidadania. A partir disto, muitas famílias começaram a entrar com processos judiciais para obter o documento.
“Judicialmente ganhava a causa e o passaporte. Isso começou a ser mais frequente. O número de cidadanias judiciais aumentou bastante, ‘sufocando’ as prefeituras italianas, as ‘comunes’. Eu que assessorei várias cidadanias, entrei em contato com ‘comunes’ que não respondiam mais”, lamentou. Agora está tudo parado e nenhum processo está sendo aceito. Beatriz comenta que todos estão aguardando o prazo se findar para se verificar o que vai acontecer.

“Se não for aprovada, pode ser que volte a ser como era antes. Tem várias associações, políticos, muita gente indo contra isso. É uma caixinha de surpresa. Aqueles processos que já entraram, vão ser julgados sem problema nenhum se estiverem tudo corretamente. No meu ponto de vista, acredito que eles deveriam colocar algumas regras, mas não limitação”, opina.
Para ela, é importante que os interessados no reconhecimento da cidadania italiana se atentem a algumas situações. “[acredito que] a pessoa deveria falar italiano e morar pelo menos um tempo aqui, para poder ter o passaporte. Não para recebê-lo e usar para ir para os EUA. Cidadania é muito sério, não apenas passaporte. Os descendentes de italianos amam a Itália e não podem ser tratados desse jeito. São 21 anos que estou aqui, moro na Toscana. Amo estar aqui, se depender de mim, tudo que puder fazer para ajudar eu farei”, finaliza.
